Na primeira temporada de Sob Pressão, uma das melhores séries do ano passado, exibida pela Globo, o médico Evandro, personagem de Julio Andrade, tentava salvar vidas diariamente em meio às condições precárias no hospital público Luis Carlos Macedo, em Cascadura, no subúrbio do Rio, onde chefia uma equipe.
E não bastasse manter a difícil promessa de não deixar ninguém morrer em seu plantão nesse cenário, Evandro precisava confrontar os próprios fantasmas, depois que sua mulher morreu durante uma cirurgia conduzida por ele. Agora, na segunda temporada da série, que tem início nesta terça (9), após Segundo Sol, ele terá pela frente novos desafios — e inimigos ocultos. O cerne da trama passa a girar em torno da corrupção na saúde, colocada em prática pelos novos (e ambiciosos) personagens, Renata (Fernanda Torres), nova diretora do hospital, e o ortopedista Henrique (Humberto Carrão).
E como dr. Evandro, com princípios tão sólidos, vai lidar com essa corrupção?
— A princípio, ele não sabe quem são essas pessoas. Ele cai nessa cilada de que a Renata é uma pessoa que está contribuindo para a melhora do hospital, que chega com uma modernização, com uma coisa diferente — é o que interessa para ele. Por outro lado, o afastamento do Samuel afeta muito a vida do Evandro. Samuel é o mentor, mestre, um pai para ele. Com o passar do tempo, percebe que Renata tem desvio de caráter — diz o ator, referindo-se ao personagem de Stepan Nercessian, que perde o cargo de diretor para Renata.
Redator final de Sob Pressão, Lucas Paraizo explica que a série avançou para essa questão nesta nova temporada após uma pesquisa feita pela Globo com o público.
— Eu, por exemplo, tinha muito medo de que a temática da questão da vida e da morte, da tragédia, pudesse ter uma rejeição na primeira temporada, mas eu estava enganado — diz Paraizo. — Essa pesquisa mostrou que as pessoas querem muito ver a realidade delas espelhadas na televisão aberta e, ao mesmo tempo, apesar de todo mundo adorar o dr. Evandro e a dra. Carolina (Marjorie Estiano), tinha uma questão que era: nem todos os médicos são como eles; havia uma demanda de que também tivéssemos médicos que não fossem apenas heróis, mas os anti-heróis.
É aí que entram os personagens Renata e Henrique.
— Mas qual era o desafio nesse caso? Se o público diz que precisa de um vilão, eu não queria dar para ele um vilão de novela. A nossa série está ligada à noção da realidade, nossos personagens são ambíguos, são falíveis. Então, eu precisava criar antagonistas que tivessem também suas ambições, que tenham suas motivações dentro da ambição — afirma Paraizo.
A dupla ganhará seu dinheiro "por fora", fruto da corrupção, mas a conta chegará de forma dolorosa.
— Henrique começa a ser cooptado pela Renata. Só que, à medida que ele vai sendo cooptado, que entra no esquema das próteses, ele começa a entender que a consequência são as mortes de algumas pessoas. Vai ter consequência também para ela — conta ele, sem entregar mais detalhes.
Para Julio Andrade, "a corrupção talvez seja uma doença incurável dentro da saúde".
— Porque ela está enraizada na sociedade em que vivemos. Isso leva a crer que a ganância e os interesses pessoais não têm limites. Acho muito importante que as pessoas vejam isso em forma de teledramaturgia — diz o ator.
Um dos grandes trunfos da série, Andrade encarna de forma visceral seu personagem desde o filme Sob Pressão, de 2016, com direção de Andrucha Waddington (que é diretor artístico da série). O longa inspirou a criação da série de TV, que estreou com sucesso no ano passado, mostrando de forma realista o dia a dia de um hospital público no Brasil, que nada lembra a rotina e os problemas mostrados nos seriados do gênero americanos. O ator lembra como foi se preparar para o papel na época do longa.
— Foi triste encarar e ver de perto a realidade da saúde pública do nosso país e a falta de recursos essenciais para salvar vidas. Para ser médico nessas condições, só mesmo driblando os problemas e amando a profissão, que é o que a gente tenta mostrar na série — diz Andrade.
E, assim como Evandro, Carolina é uma médica idealista. Os dois passaram a temporada anterior tentando acertar os ponteiros como casal, em meio a seus próprios problemas pessoais.
— Acho que a relação dele com a Carolina fez do Evandro outro homem. Ele superou a morte da mulher e a luta contra o vício fica mais presente — comenta o ator.
Na nova temporada, os dois se casam. Mas a felicidade deles dura não mais do que três episódios.
— Naturalmente, a gente precisa trazer dramas do passado. Um deles chama-se Luis Melo, que interpreta o pai da Carolina — revela Paraizo.
Na temporada anterior, o espectador fica sabendo que o pai da médica abusou da filha no passado, um trauma que causa a ela enorme sofrimento na vida adulta.
Antes mesmo de a segunda temporada estrear, a terceira já está sendo escrita e gravada, com a presença de novos personagens, vividos por Drica Moraes e Ana Flavia Cavalcanti. E Paraizo adianta o próximo tema principal da série.
— Será como a milícia usa hospital público.