De um lado, a mocinha que se apaixona por um bandido, engravida de um desconhecido durante uma festa e assalta um banco assim que é demitida, às vésperas de dar à luz. Do outro, um herói materialista e arrogante que se acha melhor que qualquer pessoa e é incapaz de demonstrar amor pelo filho. Pode não parecer, mas é isso que os telespectadores verão a partir das 15h30 desta segunda-feira (15), quando for ao ar o primeiro capítulo da novela Bebê a Bordo, no Viva.
Gravada há 30 anos e escrita por Carlos Lombardi, a novela passa longe do politicamente correto de hoje e aposta em temas e personagens que certamente precisariam de ajustes para aparecerem em um folhetim das 19h atualmente.
A novela gira em torno da motorista de ambulâncias Ana (Isabela Garcia), que foi abandonada ainda bebê e, já no bloco inicial do primeiro capítulo, se casa com Zezinho (Leo Jaime), um aspirante a bandido com péssima mira, que sempre acerta o próprio pé nos assaltos. É nessas idas e vindas a hospitais, depois de se ferir, que ele conhece e se encanta por Ana. Ela engravida, mas a criança não é dele. Ambos marcaram um contato mais "picante" em uma festa, mas um desencontro faz com que transem com pessoas diferentes, descobrindo o engano apenas depois. E como Zezinho é estéril, não há dúvidas de que o neném não é dele. Sem dinheiro para garantir o futuro do bebê, Zezinho se envolve em um assalto a banco em que Ana também participa e, na fuga, ela entra em trabalho de parto. A filha, Heleninha, nasce no carro do mocinho da história, Tonico (Tony Ramos). A partir daí, a menina passa por diferentes personagens, já que é abandonada pela mãe logo após nascer.
— Era uma novela ágil, divertida e ousada, bem do tipo que o público queria ver na faixa das 19h. Foi uma delícia participar — lembra Carla Marins, que vivia a avoada Sininho.
Quando a novela começou, a personagem de Carla não tinha tanto destaque. Mas o sucesso dos irmãos Rei (Guilherme Fontes) e Rico (Guilherme Leme), com quem a jovem se relacionava, fez com que o trio ganhasse bastante espaço ao longo dos capítulos.
— Naquela época, não me recordo de ter ouvido críticas dos telespectadores. Atualmente, acho que existe um conservadorismo maior e, provavelmente, uma jovem como a Sininho seria bastante julgada por ficar com os dois — avalia a atriz, que chegou a ter algumas sequências censuradas.
Para Guilherme Fontes, o momento em que a novela era produzida — a estreia ocorreu em junho de 1988 — foi de extrema importância para o Brasil e influenciou diretamente a trama.
— Era o governo José Sarney, o primeiro depois do fim da ditadura. Lombardi estava realmente inspirado! Falávamos sobre tudo: de política a comportamentos sociais e sexuais de jovens e adultos. Sempre de forma leve, porém direta. E levamos uma certa bronca! Mas nada de muito substancial foi mudado — entrega o ator, que conta que a produção recebeu um recado do próprio Roberto Marinho, proprietário da Globo na época, com um pedido para que "maneirassem" um pouco.
Tal mãe, tal filha
No primeiro capítulo, Ana faz com a filha o mesmo que a mãe fez com ela: abandona a garota. E, de cara, o público percebe quem foi a mulher que gerou a heroína da trama. Laura (Dina Sfat) era uma moça pobre que, depois de largar Ana, deu o golpe do baú e se tornou rica, mas amarga. Sem saber de nada, Ana vai abandonar Heleninha, a bebê da novela, na porta da casa de Laura. E, no futuro, travará com a própria mãe uma batalha judicial pela guarda da filha. O final é um tanto surpreendente, pouco previsível se comparado a outras obras de teledramaturgia que abordam conflitos familiares.
Bebê a Bordo foi o último trabalho de Dina Sfat. A novela acabou em 11 de fevereiro de 1989 e a atriz faleceu em 20 de março do mesmo ano, vítima de câncer de mama. E Laura se tornou uma personagem extremamente especial em sua carreira: ela dividiu o papel com a filha, Bel Kutner, que gravou as sequências de Laura na juventude. Dina teve ainda muitas cenas hilárias com Ary Fontoura, que encarnava o ex-ator canastrão Nero, que vivia às turras com a nora.
Na moda
Enquanto a história se desenrolava e Heleninha — que chegou a ser interpretada por três crianças — passava pelo colo dos personagens, Bebê a Bordo conquistou alguns sucessos comerciais. Teve até álbum de figurinhas, que virou febre entre as crianças. Além disso, as bandanas caíram no gosto do público depois que Guilherme Fontes se tornou um dos símbolos sexuais da TV e quase não tirava o acessório em cena.
— Muita gente usava e as pessoas conversavam comigo sobre isso nas ruas. Tanto que cheguei a licenciar uma grande quantidade com o meu autógrafo — diz o ator.
Mas não foi só a bandana que conquistou o público. Na história, Rei e Rico sempre usavam a expressão "levar uns coelhos" quando iam transar com alguma garota. E a gíria não fez parte apenas do texto dos atores.
— A gente ouvia isso direto. Pegou de verdade. A Sininho era uma garota muito livre e acho que isso, na época, cativou as pessoas. Vamos ver o que vão achar dela agora — fala Carla Marins.
A trilha sonora de Bebê a Bordo também chamou bastante atenção. Em especial uma canção, tocada até hoje quando o intuito é relembrar os sucessos da década de 1980. Mordida de Amor foi uma versão da música Love Bites, do grupo Def Leppard, interpretada pelo Yahoo. Em 2013, voltou a ser trilha de novela, em Sangue Bom, também da Globo. Já na parte internacional, I Don't Want To Live Without You, da banda de rock Foreigner, ajudou a embalar os momentos românticos de Ana e Tonico.