A mulher é traída pelo marido. Para piorar, enganada duplamente: a outra era uma amiga muito próxima. A situação é desoladora, inacreditável. Perde a cabeça, quebra tudo em casa. No banheiro de um restaurante, encontra a ex-amiga. Insultos, troca de ofensas, bate-boca. Enraivecida, atira um sapato na amante. Em poucos minutos, com a ajuda da nora, imobiliza a ex-amiga e desfere golpes com o salto do sapato no rosto da mulher. Depois, pede o divórcio.
Esse é um enxuto resumo da história de Eugênio (Dan Stulbach), Joyce (Maria Fernanda Cândido) e Irene (Débora Falabella) na novela A Força do Querer, exibida pela RBS TV. A cena da pancadaria foi ao ar na segunda-feira (24) e movimentou as redes sociais. Alguns aplaudiram de pé a atitude de Joyce e sua nora, Ritinha (Isis Valverde), outros questionaram os rumos da novela de Glória Perez, já que Eugênio segue com a cara de pau sem nenhum arranhão.
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Opiniões sobre a narrativa à parte, o fato é: em época de sororidade em alta (união e parceria feminina), mais uma vez, uma cena de violência explícita entre mulheres faz milhões pararem em frente à TV (relembre outros quebra-paus AQUI). Mulheres descontroladas, sem capacidade de avaliar a situação de forma séria. Com raiva, sim, mas brigando por homem em pleno século 21. Há quem defenda que não foi pelo marido, mas pela trairagem da amiga. Até pode ser, mas não elimina outro ponto: continua-se achando natural decidir tudo "no braço", como se ainda estivéssemos na época das cavernas.
Por isso, entenda por que a tal cena emblemática da briga Joyce X Irene não deve ser aclamada:
VIOLÊNCIA GRATUITA NA TV
A Força do Querer mantém boas médias de audiência, acima da faixa dos 30 pontos em São Paulo. É uma das novelas mais vistas nos últimos anos na Globo. É uma grande oportunidade para tratar de temas importantes – Glória Perez está dando espaço para a inserção da mulher no mundo do tráfico e também para a transexualidade. O triângulo amoroso também está na história, e, como de praxe, há traição, separação, novos amores surgindo. Tudo ia muito bem até a cena da pancadaria entre Joyce e Irene. Era a oportunidade de mostrar uma irada mulher, claro, mas consciente, racional. Não para reforçar o estereótipo feminino descontrolado. Além disso, a cena é de violência pura. Pauladas com o bico do salto no rosto da ex-amiga. É preciso retomar o conceito do olho por olho, dente por dente em pleno século 21? Talvez a cena pudesse ter ocorrido, mas com uma problemática diferente. Sem socos e puxão de cabelo, com mais civilidade, algo que parece faltar na sociedade de hoje – seja na TV ou fora dela.
SORORIDADE?
O termo reflete a união entre mulheres. Não há inimigas por natureza, não vivemos em competição. Tudo bem, sempre tem aquela pessoa que não mede consequências e faz burrada – ou, como é o caso de Irene, dá golpes financeiros independentemente da sororidade. Mas nada justifica a agressão, e Eugênio (o marido "seduzido") ainda deve ser o foco da discórdia. A novela acabou por reforçar a ideia da resolução de problemas entre as mulheres por meio do tapa.
E O HOMEM? MERECIA APANHAR?
Ninguém merece apanhar. O fato aqui é a diferença de tratamento entre os dois casos: a raiva que excede as palavras terminou com um salto enfiado na cabeça de Irene, enquanto Eugênio tem a situação amenizada. Não seria um boa oportunidade de mostrar como a mulher tem capacidade para resolver assuntos difíceis sem cair no clichê do choro, do puxão de cabelo e da recaída com o marido – sim, eles devem voltar a ficar juntos?
APOIO FAMILIAR
A cena exibida na segunda-feira (24) dá um bom exemplo de como as famílias não devem reagir. A nora insufla a sogra para bater com o salto no rosto da ex-amiga. O filho combina com o pai de encontrar a mãe por acaso no restaurante. Passando por um momento frágil, Joyce é vista como uma mulher sem capacidade para decidir o que é melhor para si. Nem a família dá espaço para uma atitude racional da personagem de Maria Fernanda Cândido.
OUTRO PONTO DE VISTA
Nas redes sociais, muitos defendem a tese de que "a vagabunda deveria apanhar mesmo". Ou, ainda, que a briga foi por causa da amizade, não por homem. Outros acham que ambos deveriam ter tomado uns tapas: marido e amante. No fim das contas, poucos defendem o fim da violência, que segue como um dos pilares da sociedade brasileira. Glória Perez tem aproveitado a oportunidade para trazer temas relevantes para a TV aberta, mas, desta vez, parece que pesou a mão para inflamar a audiência.