Mark Frost, metade criativa de Twin Peaks, se mostrou surpreso – e por que não irritado? – ao saber da falta de informação sobre a chegada da série ao Brasil por vias legais. Descobriu na entrevista por telefone anterior à concedida à reportagem, no último dia 16.
– Espero que vocês tenham a oportunidade de assistir. Estamos muito felizes em ver que isso realmente aconteceu depois de tanto tempo.
E teremos. A Netflix anunciou na última sexta-feira, que vai exibir um episódio inédito da série às segundas – a partir desta segunda, dia 22, um dia depois da transmissão nos EUA.
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Há pelo menos dois anos, oficialmente, Frost e David Lynch trabalhavam com o canal norte-americano Showtime para desenvolver o retorno do seriado 25 depois do longa-metragem para o cinema Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer (1993), que mostra eventos anteriores aos vistos na série. O filme mostras os último dias de Laura Palmer, jovem cujo assassinato levou o agente do FBI Dale Cooper, interpretado por Kyle MacLachlan, para a misteriosa cidade de Twin Peaks. Frost e Lynch voltaram a se encontrar em 2015 para elaborar a ideia básica da trama depois de tanto tempo distante.
– Só entendi que de fato tudo iria acontecer quando conseguimos um acordo com o Showtime. Foi ali, naquele momento, que percebemos que a série estaria de volta –, relembra Frost. – Sei que os fãs ficaram felizes com o anúncio do retorno da série, mas ninguém no mundo estava mais radiante do que nós mesmos.
Twin Peaks revolucionou o modo de fazer TV porque levou o estranho para as emissoras abertas – no caso, a série era transmitida pela ABC. Mais do que isso, contou uma história contínua ao longo dos episódios, algo pouco comum até então. Principalmente, trouxe um lado ainda mais autoral para uma cadeia de produção televisiva quase fordista. Diante de David Lynch e seu universo criativo muito particular, o público norte-americano se rendeu.
Talvez Twin Peaks tivesse atingido níveis de aceitação e aclamação ainda mais altos se viesse depois, e não em 1990 e 1991, quando as duas temporadas foram ao ar. A própria indústria não estava devidamente preparada para uma narrativa que deixava tantas pontas soltas, questões em aberto e, principalmente, cercava-se de personagens misteriosos e interesses escusos por todos os lados. Em contrapartida, a tal era de ouro da TV, iniciada a partir dos anos 2000, com séries da HBO como Oz, Família Soprano e The Wire, seria diferente se Twin Peaks não tivesse desbravado o caminho. Descobrir o assassino de Laura Palmer, encontrada na beira de um rio, enrolada em plástico, era apenas a pontinha do iceberg que Twin Peaks propunha. Cada habitante da cidade, assim como o recém-chegado agente Cooper, parecia desconectado do mundo real.
Para Frost, contudo, a Twin Peaks da ficção, localizada no Estado de Washington, no noroeste dos Estados Unidos, é tão real quanto qualquer outra pequena cidade norte-americana.
– Definitivamente, o mundo de Twin Peaks é o nosso mundo–, afirma o roteirista.
Depois de ter recebido o "sim" do Showtime, ele e Lynch voltaram a olhar para a Twin Peaks e suas peculiaridades. A questão, conta ele, era entender como estaria aquele ambiente nos tempos atuais. Existiriam telefones celulares? A internet funcionaria bem no alto daquelas montanhas? O gravador de fita cassete do agente Cooper, chamado por ele de Diane, teria sido trocado por um aplicativo baixado no smartphone dele?
Frost foge de responder às questões da série ao máximo que pode.
– A ideia é não entregar muitos detalhes. Afinal, isso faz parte da série, o mistério. Mas eu acho que, assim como nós andamos 25 anos no futuro, a série também o fez. O que está acontecendo no ano de 2017 em Twin Peaks me parece muito interessante para os fãs da série. A cidade que conhecemos mudou tanto quanto o mundo que está ao nosso redor. É o que posso dizer –, conclui.
Voltar a frequentar essa história incentivou o roteirista a se aprofundar mais do que os 18 novos episódios, todos dirigidos por Lynch. Depois de escrever os roteiros, Frost se debruçou sobre uma história paralela à Twin Peaks, com intersecções com a trama da série, no livro A História Secreta de Twin Peaks, que será lançado no Brasil também nesta segunda, pela Companhia das Letras.
A terceira e nova temporada de Twin Peaks, ao que se sabe, emula diretamente as suas antecessoras. No programa The Tonight Show Starring Jimmy Fallon, Kyle MacLachlan, que volta à trama como o agente Cooper, não foi capaz de dizer nada mais além de que "será algo que vocês nunca viram na televisão".
O fato é que nem mesmo MacLachlan, que trabalhou com Lynch nos filmes Duna e Veludo Azul, sabe muito sobre a nova narrativa. Cada ator recebeu o roteiro apenas das cenas das quais participa, nada mais. No time de veteranos, que estiveram no ar há 25 anos, retornam: Dana Ashbrook (no papel Bobby Briggs), Ray Wise (Leland Palmer), David Duchovny (Agente Denise Bryson), Harry Dean Stanton (Carl Rodd) e os já citados MacLachlan e Sheryl Lee. Já os novatos incluem Michael Cera, Monica Bellucci, Tim Roth, Naomi Watts e os roqueiros Trent Reznor (do Nine Inch Nails) e Eddie Vedder (Pearl Jam). Os personagens deles só serão revelados na TV.
– Foi incrível reencontrar todas essas pessoas –, diz Frost. – Senti falta dessa gente com quem trabalhei naquela primeira vez. Voltar a fazer tudo isso com eles é uma maravilha. Definitivamente, acredito na ideia de que tudo tem o momento certo para acontecer.
Como diz a própria Laura Palmer ao Cooper em um sonho devaneado: "Vejo você em 25 anos". O tempo chegou, enfim.