O nome de Jô Soares funciona como um sinônimo para a expressão talk-show brasileiro desde os anos 1980. Mas, agora, o cenário é de transição: enquanto o apresentador se prepara para deixar a TV, os humoristas Marcelo Adnet e Fábio Porchat são as grandes apostas para assumir o posto de referência na área. No segundo semestre, os dois artistas estreiam à frente de novas produções na televisão aberta.
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Até este ano, Jô ainda reinava como o principal nome dentro desse formato televisivo no país. Em 1988, deu início ao Jô Soares Onze e Meia no SBT e, depois, passou para a Globo com o consolidado Programa do Jô. Só que o reconhecimento de décadas já não se traduz em altos índices audiência – e o talk-show apresentado por Danilo Gentili, no SBT, é apontado como o responsável por levar uma boa fatia dos espectadores. O comediante ex-CQC é um dos precursores da renovação do gênero: comanda o The Noite desde 2014 e, antes, esteve à frente do Agora é Tarde, na Band, posteriormente liderado por Rafinha Bastos até o seu encerramento.
– A renovação já vem ocorrendo. Com a entrada do Danilo e do Rafinha, um modelo mais irônico e debochado ganhou espaço. Agora, a saída do Jô e a possível chegada do Adnet apontam que haverá mudança, e não substituição. São perfis diferentes – avalia Nísia Martins do Rosário, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Mix de jornalismo e entretenimento, o talk-show explora um formato híbrido desde a sua origem. Com os apresentadores provindos das comédias stand-up, o gênero – que já manifestava sinais de desgaste – ganhou novo fôlego. A grande marca dessa nova geração é o humor mais agressivo e escrachado, de olho em uma audiência jovem e nativa das redes sociais. Adnet, que abusa da ironia, deve explorar ainda mais essa característica em seu programa na Globo, assim como Porchat na nova atração da Record – até agora, as duas emissoras não divulgaram detalhes sobre as produções.
Para Fernanda Mauricio da Silva, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o investimento da Globo no perfil de Adnet também pode marcar o retorno de um tom mais crítico:
– Ele usa muito o sarcasmo, até lembra o Jô na juventude. Faz um trabalho voltado para paródia e política. O Adnet deve trazer marcas próprias, parece-me que pode ir além das celebridades. É um humor para fazer pensar.
Brasileiros buscam identidade própria
A maior influência dos talk-shows nacionais são as produções americanas, pioneiras no formato. O Programa do Jô é muito semelhante ao Late Show with David Letterman – o conhecido humorista se aposentou no ano passado, dando lugar a Stephen Colber. Em agosto de 2015, Xuxa estreou na Record uma nova atração visivelmente inspirada em Ellen DeGeneres, outro grande nome da TV dos EUA. Porém, as semelhanças das atrações brasileiras e americanas param por aí. Nos Estados Unidos, não é tão evidente uma renovação no formato. O que se percebe é apenas uma troca natural de apresentadores devido à idade, explica Nísia:
– São tipos diferentes de mudanças. No Brasil, o pessoal do stand-up ganhou destaque a partir da internet e chegou ao talk-show, talvez por uma qualidade de improvisação. Não vejo que isso também esteja acontecendo nos EUA; o movimento é muito particular do Brasil. É quase uma epidemia: nossos talk-shows estão se transformando em um tipo de programa de entrevista no qual vale tudo.
Hoje, um dos queridinhos da TV americana é Jimmy Fallon, que está à frente do The Tonight Show – o artista é conhecido por seu perfil "amistoso" com os entrevistados. Por aqui, há quem compare Gentili com Fallon, e especula-se que o programa de Adnet possa beber na mesma fonte.
– Fallon vem nessa linha de amizade com as celebridades. Não faz piada tão abertamente com certas feridas sociais, como se faz no Brasil. Mas não acho Adnet e Porchat necessariamente parecidos com ele. Acredito que copiamos o modelo americano, mas mantemos características próprias do humor. É mais cópia de formato, menos de conteúdo – opina a professora Fernanda.