Por Ticiano Paludo
Professor da PUCRS, autor de “Mitologia Musical: Estrelas, Ídolos e Celebridades Vivos em Eternidades Possíveis” (2017)
Taylor Swift esteve no Brasil. Figurou em todos os veículos de comunicação e redes sociais digitais e pessoais. Este artigo não tem a intenção de julgar os méritos estéticos ou artísticos de Taylor. Tampouco irá debater as questões de logística de suas apresentações no Brasil, que, como se sabe, foram cercadas de grandes e graves problemas. Mas sobre o que falaremos, então? Sobre pertencimento e mito musical.
Hoje, as pessoas estão mais ecléticas naquilo que escutam e ouvem, sendo o ouvir um ato passivo e o escutar uma atitude ativa. Ouvimos muitas coisas. Escutamos seletivamente um repertório eleito. Se no passado parecia mais simples e controlável domar os ouvintes e colocá-los em gaiolas auditivas separando-os em tribos e nichos, atualmente, graças ao acesso a um vasto catálogo musical, as pessoas se permitem livremente dedicar seus ouvidos a uma miríade de artistas e estilos musicais diversificados. Sem julgamentos. Livres para flanar pela diversidade. Logicamente, é espantoso tudo o que se produziu e continua se produzindo em termos de composição. E daí vem a equação de milhões para músicos novatos e canônicos: como conquistar a atenção, o bem mais precioso de agora? No caso da música, como conquistar a escuta? A escuta é um ato de devoção.
Circulam pelas veias da internet uma série de vídeos nos quais é possível observar a dedicação e o furor com que os fãs de Taylor Swift enfrentam adversidades para ver sua musa de perto. E, o que volta e meia ocorre em casos como este, deparo com alguém ou alguns postando o seguinte comentário em redes sociais digitais: “Corre para ver essa artista ruim (estou sendo educado nessa transcrição, pois o texto é bem menos brando). Queria ver esse entusiasmo para a fila do Enem!”. Trata-se de uma afirmação descabida, preconceituosa e sem um entendimento da complexidade da mente humana.
Taylor Swift é inegavelmente um fenômeno pop, e fenômenos pop são vitais para a existência humana. É comovente e traz um ar de esperança ver pessoas que não se conhecem comungando de uma experiência única: sonhar com um futuro melhor e encontrar em Taylor Swift uma tradutora dos anseios, medos e desejos de uma jovem geração. Se você não entende o que ela propõe, existem duas explicações: ou há preconceito e/ou essa mensagem não é para você. Mas é para muitos jovens, que no momento em que estão construindo suas personalidades, procurando se entender, encontrar a sua voz e se perceber no mundo deparam com um norte, um vetor, um modelo a ser seguido e, sobretudo, um ato de pertencimento e proteção. E que conquista sua escuta e atenção plena por fazer muito sentido para eles.
Em um mundo tomado por guerras, disputas raciais, injustiça, catástrofes climáticas, medo da tecnologia e, consequentemente, futuro incerto e inóspito, Taylor Swift oferece um colo, um ombro amigo, uma palavra de carinho. Escreve para os fãs sobre suas vivências, usando uma técnica eficiente de identificação projetiva, isto é, o público se enxerga na história, se vê nela. Artista e público descobrem o mundo juntos. Em um mundo competitivo, onde todos querem atenção por uma profunda carência, estar em comunhão em um espetáculo musical, dividindo todo esse turbilhão de emoções, é potente e catártico.
Além do ato de comunhão, do estar junto, existe o lado hiperpessoal, ou um fenômeno denominado erotomania. Nesse espectro clínico estudado pela medicina, um paciente, no caso o fã, nutre uma paixão avassaladora por seu ídolo. Cada gesto, cada olhar, tudo que o ídolo tece performa e exala parece indicar que foi feito exclusivamente para o fã. Esse tipo de amor incondicional não é novo. Existe há muito tempo. Hoje observável dentre os fãs de Taylor Swift, no passado esse comportamento existia em casos como os Beatles ou Justin Bieber. Ele reforça o elo de identificação projetiva da letra, da música, de todas as tecnologias do espetáculo, esse templo multimídia no qual os refrões se convertem em eucaristias sonoras.
Os mitos musicais são aqueles que constroem uma ambiência, um imaginário no qual os fãs são banhados e abençoados, nutrindo-se da energia do ídolo e copiando seus gestos para se reconfortar nessa experiência mutável e incrível que é a vida. Entre tantos atos de destruição, a música é um ato criativo de união. Você pode até não gostar da cantora e de sua obra, mas não pode ignorar o bem que ela promove ao aquecer o coração de seus admiradores. Ou talvez você não esteja entendendo nada, pois quem chegou atrasado para a prova do Enem foi você.