Com a flexibilização das atividades do setor cultural, volta a dúvida sobre o que fazer com ingressos para shows e espetáculos adquiridos antes ou durante a pandemia. Muitos dos eventos que ficaram no limbo nos períodos mais duros da crise sanitária, agora voltaram a integrar a agenda em novas datas ou foram cancelados de vez pelas produtoras.
Mas, quais são os direitos do público nestes casos? Se a data for remarcada, o ingresso continua valendo? E se eu não puder comparecer na nova data? É possível desistir e pedir o dinheiro de volta? E se o evento foi cancelado? GZH consultou a legislação vigente, o Procon e produtoras locais para esclarecer estas dúvidas. Confira abaixo.
Reembolso não é obrigatório
Em agosto do ano passado foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a lei nº 14.046, que dispõe sobre o adiamento e cancelamento de eventos culturais e outras atividades durante a pandemia. A principal alteração na legislação diz respeito ao reembolso. Antes, assim que um evento fosse cancelado, o estabelecimento ou produtora responsável era obrigado a devolver o valor pago pelo cliente. Agora, o reembolso imediato não é mais obrigatório.
A nova lei estipula que, se um evento não pôde ocorrer na data prevista por conta da crise sanitária, a realizadora não é obrigada a reembolsar o público, mas precisa marcar uma nova data ou reverter o valor pago no ingresso em créditos que possam ser utilizados em outros eventos promovidos pela empresa.
O reembolso só é obrigatório se o realizador não puder oferecer uma nova opção de data até 31 de dezembro de 2022 — 12 meses após decretado o fim do estado de emergência em saúde, previsto para 31 de dezembro deste ano —, nem os créditos para serem utilizados em outras atrações. Ainda assim, o valor também pode ser devolvido até 31 de dezembro de 2022.
Conforme o diretor-executivo do Procon RS, Lucas Fuhr, a mudança foi recebida com ressalvas por entidades de defesa dos direitos do consumidor, que reconhecem a necessidade de uma legislação que amenize os impactos sofridos pelo setor de eventos, mas também apontam para o risco de possíveis prejuízos ao consumidor.
— De modo geral, os Procons, em âmbito nacional, são críticos a essa legislação. Existem as necessidades do setor que trabalha na cultura e esta é uma lei para proteção desse setor. Mas, do ponto de vista do consumidor, só pelo simples fato de não receber um reembolso com reposição da inflação, ele já está tendo perda — afirma Fuhr.
Evento foi remarcado. E agora?
Se o evento foi remarcado, o ingresso já adquirido continua valendo para a nova data, sem custo adicional ao consumidor. Nestes casos, a orientação é que o público procure a produtora ou estabelecimento responsável e sinalize o interesse pela nova apresentação até 120 dias após o anúncio da remarcação ou 30 dias antes da realização do evento — o que ocorrer antes.
É possível que cada realizador adote mecanismos diferentes, como, por exemplo, a troca do ingresso antigo por um novo — por isso a importância de entrar em contato com as empresas. O que a lei assegura é que o consumidor que já tiver sua entrada adquirida para a atração poderá curti-la na nova data.
O show ou espetáculo também deve ser realizado nas mesmas condições ofertadas quando o consumidor adquiriu o ingresso. Por exemplo, se o ingresso era para um determinado setor, o consumidor deve ter acesso a este mesmo setor na nova data da apresentação; se evento oferecia algum benefício, como open bar ou consumação, o novo também deve incluir os serviços.
E se eu não puder ir?
Segundo o texto da legislação, se o consumidor não puder comparecer à nova data do espetáculo, a empresa que promove o evento continuaria desobrigada de reembolsar o valor, uma vez que a obrigação é apenas marcar uma nova data ou conceder créditos para uso em outros eventos — uma coisa, ou outra.
Assim, se o show for remarcado para um dia no qual o consumidor não puder comparecer, pelo texto, a empresa responsável pelo evento não estaria obrigada a reembolsar nem a conceder créditos, pois já estaria cumprindo a legislação ao oferecer a remarcação.
Contudo, conforme o diretor-executivo do Procon RS, o cliente tem direito de recorrer. Neste caso, a orientação do especialista é de que o consumidor entre em contato com a realizadora e explique que não poderá comparecer à nova data, solicitando então o crédito para uso em outros eventos ou negociando outra forma de compensação. Caso a empresa afirme que não concederá o crédito por já estar ofertando uma nova data, o caminho é procurar o auxílio do Procon.
E se eu desistir?
Muitos shows passaram por inúmeros adiamentos ao longo da pandemia, a ponto de causar no consumidor o desejo de desistir de assistir aos artistas. Apesar do inconveniente, vale o mesmo que para o caso anterior.
Se o consumidor quiser desistir de ir a um show que foi remarcado — ou seja, que teve a oferta de uma nova data, mesmo que após muitos adiamentos —, pelo texto da lei, ele não teria direito a reembolso nem a crédito. Mas, segundo Fuhr, há sim a opção da desistência.
— Entendemos que o consumidor não tem obrigação de ir em um evento que ele não contratou. Mesmo que seja a mesma atração, o evento que vai ser remarcado vai ser um outro evento, em uma outra data e em outro contexto — afirma.
Vale, novamente, buscar uma solução por meio do diálogo. A orientação do especialista é para que o consumidor tente negociar com a realizadora e, em última instância, procure auxílio do Procon.
Evento foi adiado, mas não remarcado
Nem todos os eventos adiados por conta da pandemia já ganharam uma nova data. Nesses casos, a orientação é esperar pela divulgação do reagendamento e ficar atento aos canais de comunicação de quem está promovendo a atração para manifestar interesse na nova data dentro do prazo — até 120 dias após a divulgação ou 30 dias antes do dia do evento, o que ocorrer antes.
A legislação determina que os shows e espetáculos adiados devem ser realizados até o final de 2022.
Evento foi cancelado. E agora?
Se o evento teve seu cancelamento oficial divulgado ou não foi remarcado dentro do prazo, o consumidor tem direito de receber o crédito para uso em outras atrações da mesma produtora, realizados até um ano após o fim da emergência em saúde. O crédito deve ter o mesmo valor pago pelo ingresso, mas serão deduzidas taxas eventualmente cobradas pelos sites de compras online.
Da mesma forma que nos casos de remarcação, o consumidor deve contatar a empresa para manifestar o desejo de receber o crédito. Mas, se a empresa não remarcar e não puder oferecer créditos — por ter fechado e não promover outros eventos em que o valor poderia ser usado, por exemplo —, aí sim o consumidor tem direito ao reembolso. Ele deve ser pago até o fim de 2022.
E se eu não quiser os créditos?
Assim como os casos de incompatibilidade com a nova data de shows remarcados e desistência, a possibilidade de recusa ao crédito não foi prevista pela lei. Conforme o texto da legislação, as empresas já estariam em conformidade por oferecer o crédito que, subentende-se, deveria ser aceito pelo consumidor.
Deste modo, em caso de recusa ao benefício — por exemplo, se o cliente não se interessar por nenhuma das opções de eventos nos quais o valor poderia ser usado —, haveria chance de prejuízo, uma vez que as empresas não estariam obrigadas a concederem reembolso. Mas, segundo o diretor-executivo do Procon RS, a legislação é interpretativa e, no entendimento da entidade, o consumidor não pode ser obrigado a aceitar o crédito. Neste caso, deve ser reembolsado.
Conforme o especialista, o caminho seria contatar a empresa para receber o crédito como uma garantia, mas não utilizar. Com a validade expirada do benefício — 12 meses após o fim da emergência em saúde —, segundo Fuhr, o consumidor deve ser reembolsado se não usufruiu. Mas, frisa o representante do Procon RS, esta possibilidade só existe se o consumidor fizer o contato com a empresa e solicitar o crédito dentro do prazo. Se não, não há precedente para concessão de reembolso.
A situação, contudo, não é descrita pela lei, sendo uma interpretação do órgão de defesa do consumidor. Por isso, a questão deve ser mediada por um agente especializado.
— O consumidor não pode ser obrigado a ir a um evento. Se ele tem o crédito e não utilizar, ele deve ser reembolsado. O que está descartado pela legislação é o reembolso imediato, mas entendemos que o crédito pode ser uma condição para um reembolso lá na frente. A primeira coisa que a gente orienta é sempre buscar um contato com a empresa. Mas, em último caso, lá na frente, se esse crédito não se converter em reembolso, o consumidor deve procurar o Procon ou acionar a Justiça — explica Fuhr, frisando também que, apesar da possibilidade de um reembolso, o ideal é que o consumidor entenda as dificuldades enfrentadas pelo setor de eventos e seja flexível para aceitar as alternativas propostas.
Como está ocorrendo no RS
Para traçar um panorama de como a lei está sendo aplicada para os eventos locais, GZH consultou a Opinião Produtora, responsável pelas apresentações no Bar Opinião, Auditório Araújo Vianna e Pepsi On Stage, e a Opus Entretenimento, que administra shows realizados no Teatro do Bourbon Country e está promovendo o show da banda Kiss em Porto Alegre. Confira o posicionamento de cada uma abaixo.
Opinião Produtora
A Opinião está trabalhando para promover a remarcação dos shows adiados, que podem ocorrer até o final de 2022. Neste caso, quem já tem ingresso poderá ir na nova data com a mesma entrada adquirida, sem necessidade de troca ou validação.
Já no caso de shows que forem cancelados, será oferecido crédito para uso em outros eventos da produtora. O benefício pode ser concedido dentro do prazo de até um ano após o fim da emergência em saúde.
Questionada se o cliente que tem ingresso para um show que foi remarcado e não pode ou não quer comparecer na nova data vai receber o crédito como forma de ressarcimento, a produtora informou que, se foi ofertada uma nova data, não haverá concessão de crédito.
Opus Entretenimento
A produtora está oferecendo três opções ao cliente que tem entradas para shows remarcados: manter o ingresso já adquirido para usar na nova data, repassar o ingresso para outra pessoa ou solicitar crédito no valor do ingresso adquirido para uso em outros eventos da produtora. No caso de eventos cancelados, é disponibilizado o crédito.
Em todos os casos, é necessário fazer contato com a produtora por meio do endereço de e-mail: faleconosco@opusentretenimento.com.