O ciclo de conferências de 2020 do Fronteiras do Pensamento foi encerrado nesta quarta-feira, com palestra da escritora portuguesa Isabela Figueiredo, autora dos premiados Caderno de Memórias Coloniais (2009) e A Gorda (2016), lançados no Brasil pela editora Todavia. Transmitida pela internet, a conferência esteve centrada em tópicos relacionados ao racismo e ao colonialismo.
Além de contar com Isabela, a transmissão teve uma presença inusitada: a cadela Nina, que insistia em chamar atenção da dona enquanto realizava sua fala de abertura. Isabela precisou parar algumas vezes a palestra para atender o animal, e até a segurou no colo diante da câmera por alguns instantes.
A dona adorou. Isabela está escrevendo um novo livro, em que a ética animal é o tema central.
– Agradeço ao universo por ter possibilitado que Nina aparecesse na transmissão – afirmou Isabela, no final do encontro.
Em sua palestra, Isabela refletiu sobre a tentativa de dominação dos animais pelo homem. Para ela, a reinvenção do humano passa por encontrar alternativas de convivência que respeitem todos os seres do planeta.
– O futuro está em pensar o não-humano. A reinvenção da humanidade tem que tirar os seres humanos do centro. Nossa racionalidade é importante. Mas nossa existência depende do não humano. Eu não posso ignorar que minhas cadelas existem. Meus pais fingiram, meus antepassados fingiram. Eu não quero mais fingir. Essa sou eu, essa é minha casa. Isso é minha vida – disse a palestrante.
Há todo um caminho de questionar o colonialismo que não foi trilhado. Os brancos que ocupam posições de privilégio não se dão conta do papel que ocupam nesse processo
ISABELA FIGUEIREDO
Isabela nasceu em Lourenço Marques, atual Maputo, em Moçambique, filha de um eletricista português. Na adolescência, passou a viver em Portugal, onde se naturalizou.
— A escravidão acabou oficialmente em Portugal em 1868. Mas via a escravidão dos negros moçambicanos pelos brancos portugueses em 1968. Quando meu pai foi morar em Moçambique, para ele, a ideia de explorar os negros era tão natural como a de explorar um animal. Essa ideia de superioridade passou a ser questionada pelas pessoas — lembrou.
A conferencista afirmou que, a despeito do desenvolvimento econômico do Brasil, visitar o país é como um retorno ao Moçambique do passado.
— Quando chego ao Brasil, sinto que viajei no tempo, que voltei ao passado de Moçambique. Se a independência de Moçambique não tivesse ocorrido, seria como o Brasil de hoje, onde o homem branco manda no homem negro. O homem negro continua na favela, continua a trabalhar para o branco, para o rico. O escalonamento social se mantém, ou seja, a escravidão se mantém — avaliou Isabela.
Para a escritora, o Brasil ainda precisa encarar seu colonialismo:
– Há todo um caminho de questionar o colonialismo que não foi trilhado. Os brancos que ocupam posições de privilégio não se dão conta do papel que ocupam nesse processo.
A autora também falou sobre sua literatura. Para ela, o trabalho literário se situa na fronteira entre o conhecimento e o sagrado, que é outro território da arte para mim:
– O que eu faço não é uma investigação como faz um biólogo, um economista, um químico, um psicólogo. As minhas referências bibliográficas estão implícitas no discurso da minha obra. Mas eu não tenho uma tese formal para apresentar. Tudo o que trago é informal. E este meu trabalho chega ao leitor e é ele que joga o jogo.