
Gabriela Silva*
Pátria, identidade e corpo são os principais elementos que compõem a obra da escritora Isabela Figueiredo, uma das conferencistas do Fronteiras do Pensamento em 2020. Esses temas são trabalhados com minúcias em Caderno de Memórias Coloniais, publicado pela primeira vez em 2009, e também no romance A Gorda, lançado em 2016. Parte da força do texto de Isabela é fruto de sua experiência biográfica, vivida entre o cenário africano e o português.
Considerado um dos mais relevantes romances da primeira década do século 21, Caderno de Memórias Coloniais destaca-se pelo importante substrato histórico. A narrativa aborda a questão dos retornados, ou seja, dos portugueses que, após a independência das colônias africanas, voltaram para Portugal. A própria autora define o texto como algo que “transcende as questões de poder colonial, social e de gênero, transformando-se, também, numa narrativa de amor filial conturbado e indestrutível”. Existe no romance o retrato de alguém que viveu a experiência da descolonização, do fim de um tempo histórico e o começo de uma nova ordem política da qual emergiram identidades e necessidades de adaptação. Isabela Figueiredo nasceu em Lourenço Marques, hoje Maputo, Moçambique, no ano de 1963. Em 1975, logo após o fim da ditadura, mudou-se para Portugal. Estudou na Universidade Nova de Lisboa, trabalhou como jornalista e foi professora no ensino secundário.
No amálgama de memórias, vivências e ideias, desterritorialização, dominação, abandonos e exílios, encontramos a história de uma adolescente que é enviada sozinha para um outro país. A realidade pós-colonial era mais dura do que aparentemente poderia ser, implicava no retorno à metrópole, no reconhecimento das diferenças de cor da pele, gênero, sexualidade, liberdade e silenciamento. Apresentam-se estereótipos de mulheres negras e homens brancos, delineia-se o pensamento português sobre África e a respeito daqueles que voltaram sem pátria, sem chão, em busca de um recomeço. A antiga Lourenço Marques é muito viva nas descrições de Isabela, tudo o que formava a sua personalidade pertencia ao universo africano e se complementava com o imaginário de obras de literatura, musicalidades, histórias do passado, de pessoas e coisas. Lisboa era um outro território, era necessário desbravar, conhecer e reconhecer-se novamente.
A Gorda traz a história de Maria Luísa, uma adolescente gorda, que descreve as humilhações, os preconceitos, os desgostos e os desamores as quais sofre por ter um corpo “gordo”. É uma narrativa sobre solidão, perda, dores e prazeres. As fases da vida da narradora dão nomes aos capítulos, através dos cômodos da casa, repletos da memória de momentos com os pais, descobertas pessoais, sentimentais e cotidianas; e nas relações históricas que apontam para as modificações do mundo que é cenário da obra. A Revolução dos Cravos, a independência de Moçambique, Chernobyl, o atentado às Torres Gêmeas, a escolha de Bento XVI como Papa marcam a vida de Maria Luísa, como o fim de um relacionamento e a morte dos pais – relação direta com a história de Portugal, África e do mundo todo. É um romance sobre a memória e o corpo, identidade e história e, trata da construção da imagem que temos de nós mesmos e do que existe ao nosso redor, nos constituindo, formando nosso imaginário, nossas referências. Somos uma mistura de muitas sensações, figuras, palavras, sonoridades e outras pessoas.
“O meu trabalho é sobre o que fomos, o que somos enquanto indivíduos e povo. É uma reflexão e uma procura de caminho. E aquilo que vejo é bom. O meu trabalho é muito honesto, idealista e um bocado inocente, mas não faz mal que assim seja”, diz-nos Isabela numa entrevista à e-lyra, de Portugal. São esses os motivos que a colocam entre as mais importantes ficcionistas do seu tempo. Isabela Figueiredo, ao construir seus romances, usou a história e o essencial que forja todos os seres humanos: o que cada acontecimento, particularidade, singularidade do mundo acarreta em diferentes vidas. Corpo, memória, sentimentos e impressões são a matéria-prima de sua escrita. É Portugal, a descolonização de África e ao mesmo tempo, tudo o que existe no mundo que conhecemos. Sobretudo é a voz de uma mulher que constrói e dá sentido a essa literatura, visões da realidade e da história.
* Doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS
Fronteiras do Pensamento 2020
- A portuguesa Isabela Figueiredo participará do Fronteiras do Pensamento em 9 de dezembro.
- A temporada 2020 do Fronteiras será em plataforma digital. A primeira conferência, de Mia Couto, foi em 16 de setembro. Os demais participantes são Andrew Solomon (data a definir), Paul Collier (7/10), Timothy Snyder (21/10), Alain Mabanckou (4/11) e Fritjof Capra (18/11).
- Inscrições podem ser feitas com descontos que vão de 30% (valor total parcelado em 6x de R$ 161) a 50% (valor total parcelado em 6x de R$ 115).
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- O Fronteiras do Pensamento é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre, Hospital Moinhos de Vento e Gerdau, empresa parceira Unicred RS, universidade parceira UFRGS, apoio educacional Colégio JPSul e promoção Grupo RBS.