Festejada pela classe artística, a Lei Aldir Blanc chegou com a promessa de injetar R$ 3 bilhões em ações emergenciais para trabalhadores da área cultural. Após meses de euforia, estados, municípios e artistas tentam alinhar esforços para superar entraves que uma ação inédita dessa magnitude é capaz de gerar. Enquanto isso, trabalhadores e instituições culturais aguardam com ansiedade a chegada de recursos que podem minimizar a crise gerada no setor, motivada pela necessidade de isolamento social.
É o caso do técnico em iluminação Patrick Benites, que mora em Viamão e cria sozinho dois filhos, João Gabriel, de oito anos, e Nicole, cinco.
— Trabalho como autônomo, prestando serviço para quatro empresas do Brasil. Antes da pandemia, estava trabalhando com 28 datas por mês, em média. Busquei o auxílio na espera de pegar algum benefício para me manter neste momento em que os eventos estão parados. Não recebo qualquer benefício do governo. Meu pedido de Auxílio Emergencial foi negado pela governo federal. Argumentaram que uma pessoa da minha família já está recebendo, mas é a minha filha que não mora comigo — afirma Benites.
Presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões do RS (Sated–RS), Fábio Cunha demonstra frustração diante da demora pelo repasse dos recursos:
— Há uma demora muito grande. Paramos tudo em março. Embora não seja o recomendável, as cidades estão voltando ao normal. Porém, teatros não podem abrir, não se pode realizar shows e eventos. Já vamos para o sexto mês de pandemia, e essa medida, que seria emergencial, ainda não se concretizou.
Entre os desafios previstos pelo setor em relação à Lei Aldir Blanc, estava a sanção pelo Palácio do Planalto. A desconfiança em relação à aprovação do presidente Jair Bolsonaro, no entanto, ficou para trás em 29 de junho, dia em que o texto foi sancionado. A morosidade começou na regulamentação, que se completou apenas em 18 de agosto. E, apesar do tempo dispensado, o texto da regulamentação deixou insatisfeitos alguns dos principais atores desse processo: os gestores municipais e estaduais, agentes que executarão a lei.
— A regulamentação não trouxe esclarecimentos para os entes federados para a adequada aplicação dos recursos. Por conta dessa insegurança jurídica, os entes federados precisaram buscar orientação. Estamos agora trabalhando nas regulamentações estaduais e municipais, enquanto aguardamos uma instrução normativa que esclareça nossas principais dúvidas – explicou Evandro Soares, secretário de Cultura de Bento Gonçalves e presidente do Conselho dos Dirigentes Municipais de Cultura (Codic-RS).
Para Rafael Balle, diretor de fomento da Secretaria Estadual de Cultura, instruções mais objetivas são necessárias, pois, além de garantir acesso aos recurso, é preciso ter controle.
— É um gasto público, que precisa ser observado com responsabilidade — pondera Balle.
Prazo
O Rio Grande de Sul deverá receber R$ 155 milhões por meio da Lei — R$ 72,1 milhões para o Estado e R$ 82,9 milhões para os municípios. A verba será dividida em três eixos: renda mensal ao trabalhador autônomo da Cultura, em três parcelas de R$ 600; subsídio para espaços culturais, micro e pequenas empresas e cooperativas culturais, com valores entre R$ 3 mil e R$ 10 mil; e editais, chamamentos públicos e prêmios. O Estado fica responsável pelo primeiro e terceiro, e os municípios pelo segundo e também terceiro.
Segunda Balle, o repasse mais célere será da renda mensal. O cadastro de candidatos está aberto até 15 de setembro:
— Vamos depender do agente financeiro, mas seria ideal realizar esses primeiros pagamentos em outubro.
A renda mensal, no entanto, deverá representar uma proporção bastante reduzida da verba da Lei. Até terça-feira (25), apenas 938 pessoas haviam se candidatado ao benefício — o cadastro pode ser realizado gratuitamente no site da Sedac. É muito provável que o baixo número de inscritos tenha relação com fato de que muitos dos que se encaixam nos requisitos já estão recebendo os R$ 600 do Auxílio Emergencial, e é vedada a possibilidade de receber os dois auxílios.
Só depois que o cadastro for finalizado e que os dados dos candidatos forem analisados, será possível determinar qual o valor a ser gasto na renda mensal e, por consequência, quanto restará para investir no eixo de fomento. E o Estado ainda precisará lidar com mais uma nova parcela de repasse: os municípios gaúchos que não oferecerem destinação aos recursos até 60 dias depois de recebê-los, terão o valor automaticamente revertido para Fundo de Apoio à Cultura estadual, que poderá aplicá-lo também nas ações de fomento.
Apesar do esforço do Codic-RS e de outras instituições em instrumentalizar as prefeituras para não perderem os recursos, muitas não estão capacitadas para realizar a operação. Isso porque algumas vezes as pastas de cultura são tratadas de modo secundário, sem corpo técnico numeroso e qualificado, e a operação da Lei Aldir Blanc é relativamente complexa para os municípios, exigindo análise de contrapartidas e comprovação de uso de recursos para o repasse a instituições culturais e empresas.
Caso o Estado não execute a Lei em até 120 dias a partir do repasse do governo federal, a verba voltará para a União.
— Estamos em uma maratona para que não seja desperdiçada a oportunidade de um aporte como esse — diz Balle.
Para não perder recursos e destiná-los da melhor forma, a Conferência Estadual de Cultura, que vem sendo realizada anualmente, dedicou toda sua programação para debater a Lei Aldir Blanc. O primeiro ciclo de debates será encerrado nesta sexta-feira (28). O próximo ocorrerá em setembro com nove webconferências regionais.
— A Conferência é um espaço de discussão e explicação sobre a Lei e o sistema de cultura, mas também de levantamento de demandas. É a instância máxima do sistema de participação social nas decisões de diretrizes de políticas públicas. A partir dela, poderemos ter os melhores formatos para aplicar os recursos recebidos.