Barcos, cercadinhos e formulários manuais: em países que atingiram certo controle de contágio da covid-19, houve tentativas de retomada das atividades de cultura e entretenimento. Claro, dentro da realidade do que se convencionou chamar de "novo normal": seguindo protocolos sanitários como capacidade reduzida de público e obrigatoriedade do uso de máscaras.
Há nações que liberaram atividades ao ar livre e em locais fechados, o que inclui espaços culturais – teatros, museus, cinemas, entre outros. Os eventos musicais também já ensaiam a retomada, sem a necessidade de ser no formato drive-in, mas com o distanciamento entre os espectadores presentes.
O que é o jornalismo de soluções, presente nesta reportagem
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A seguir, confira exemplos de como tem sido a reabertura de espaços culturais em alguns países, além da realização de eventos por lá. Vale ressaltar que há casos que a retomada pode ser temporária, com a iminência do retorno do coronavírus.
Uruguai
Teatros, cinemas e museus uruguaios puderam retomar suas atividades no início de agosto. Lentamente, o país reaviva sua agenda cultural, com espetáculos musicais e teatrais submetidos a protocolos como o distanciamento entre os espectadores por duas cadeiras (o que reduz a capacidade de público), recomendação de vendas online de ingresso, desinfestação de lugares de circulação, ventilação nos recintos, medição de temperatura corporal na entrada e uso obrigatório de máscara.
Aliás, o distanciamento não fica restrito à plateia. No palco, deve haver um distanciamento de, pelo menos, dois metros entre quem estiver por ali. “Embora artisticamente o contato físico ou mais próximo entre os intérpretes seja necessário, isso não pode ocorrer: o espetáculo terá que ser adaptado para atender a essa exigência inevitável”, afirma o Ministério de Educação e Cultura.
Há uma recomendação de que museus e galerias de arte não sejam frequentados pelo grupo de risco, sobretudo pela faixa etária a partir dos 65 anos. Os museus precisam assegurar a distância de cinco metros por pessoa e que os visitantes não permaneçam no local por mais de duas horas.
Alemanha
Com as devidas medidas de distanciamento e higienização, já estão liberadas atividades como visita a museus, cinemas e teatros em todo o território. Porém, os Estados podem realizar ajustes individualmente nas medidas.
Um protocolo recorrente na Alemanha é o preenchimento manual de formulário na entrada dos estabelecimentos, em que o visitante deve fornecer seu nome e endereço. Trata-se de uma maneira de rastrear um possível contágio e interromper a cadeia caso haja transmissão no local: se houve um foco de coronavírus por ali, os proprietários podem entrar em contato com clientes para que possam se submeter a quarentena ou serem testados.
Esse formulário, por exemplo, é um dos protocolos utilizados pela rede de cinema CinemaxX – além da limitação da capacidade, guiar os visitantes por um sistema de mão única, distanciamento entre visitantes, entre outras medidas.
Espanha
Quando houve uma diminuição de casos no país, no final de maio, a Espanha adotou regras menos rígidas. Museus, salas de exposição, cinemas, teatros e espetáculos similares puderam retomar suas atividades, desde que não excedessem 50% de sua capacidade. Assim como na Alemanha, as regiões podem realizar ajustes próprios nas medidas.
No entanto, a Espanha passa por uma nova onda de contágio de covid-19 e precisou retroceder. Para se ter ideia, entre a última quarta e quinta-feira, o país registrou 3.715 casos de coronavírus, seu maior número em 24 horas desde o fim do lockdown, em junho. Até discotecas que chegaram a reabrir com as devidas restrições voltaram a suspender as atividades.
Enquanto era possível, a Espanha abrigou alguns dos poucos festivais presenciais do verão do Hemisfério Norte. Um exemplo foi o circuito Sala Barcelona, que começou a promover espetáculos no castelo de Montjuïc. Contando com apoio da prefeitura, o objetivo do evento era arrecadar fundos para produtores locais.
O público do evento, realizado a céu aberto, permanecia sentado em suas cadeiras nas apresentações – com o devido distanciamento entre espectadores. Se quisessem ir ao banheiro ou precisassem de algo, tinham que levantar a mão e aguardar um atendente.
Estados Unidos
Embora seja o país com mais mortos por covid-19, contabilizando mais de 174 mil óbitos até a última quarta-feira (19), os Estados Unidos já iniciaram o processo de reabertura dos cinemas. Ao menos em algumas regiões.
A rede Cinemark retomou as atividades de salas em estados como Florida, Nevada, Colorado, Texas, Utah, enquanto outros devem reabrir nas próximas semanas. Em cartaz, estão filmes como Os Novos Mutantes e Fúria Incontrolável, que tiveram sua estreia nos EUA.
Entre os protocolos sanitários para as sessões do Cinemark, está o uso obrigatório de máscaras, mas que podem ser removidas ao comer ou beber dentro do cinema. A capacidade das salas foi reduzida e os assentos próximos aos que forem adquiridos por um espectador são automaticamente bloqueados para o distanciamento social.
Os horários de exibição também foram estendidos para que o público tenham mais tempo para ir ao banheiro ou ao saguão sem aglomeração. Para reduzir o contato, dinheiro não é aceito para lanches.
China
No último final de semana, imagens de pessoas fazendo festa e participando de um festival de música em um parque aquático de Wuhan viralizaram na web. Ninguém estava de máscara.
Primeiro epicentro da pandemia, a cidade chinesa não registra mais casos de covid-19 desde maio. A quarentena, que começou em janeiro, foi encerrada em abril. Em maio até chegaram a serem registrados novos casos, mas cidade rapidamente passou a testar os seus 11 milhões de habitante e o surto foi contido.
Sendo assim, cinemas, museus e outros estabelecimentos reabriram com metade da capacidade em junho. Aos poucos, grandes aglomerações voltaram a ser permitidas.
Inglaterra
O festival Virgin Money Unity Arena, em New Castle, na Inglaterra, chamou atenção do mundo todo com seu formato de show. No evento, é permitido que até cinco pessoas da mesma família fiquem nos cercados (uma espécie de “gaiola”). A alimentação e ida ao banheiro, assim como nos drive-ins, funcionam por solicitação a distância.
Os organizadores, no entanto, proíbem que o público chegue a pé ou de transporte público ao local. Há também uma preocupação para evitar aglomerações: por meio de um site, público escolhe em qual horário vai querer ir embora. Depois, é preciso esperar, cada um no seu cubículo, até que um funcionário indique o momento exato para deixar o local.
Bélgica
Nada de carros ou cadeiras aqui: o festival Paradise City realizou uma edição aquática em julho, no parque do castelo de Ribaucourt, a 20 quilômetros de Bruxelas. O público pode comparecer em grupos de oito pessoas a bordo de barcos projetados pela organização.
Segundo informações da AFP, 400 pessoas participaram do festival, o máximo permitido para eventos ao ar livre no país. A iniciativa exigiu um cuidado extra: os visitantes foram aconselhados a não dançar com muita empolgação a bordo das pequenas embarcações de madeira, movidas a remo, no lago.
França
A França anunciou a reabertura de cinemas e museus em junho, mas vive um novo período de apreensão com o aumento de circulação da covid-19. Na última quarta-feira (19), o país registrou 3.776 casos de covid-19 em 24 horas -um novo recorde desde o fim do confinamento nacional, em meados de maio.
Em julho, o Museu do Louvre foi reaberto seguindo uma série de medidas: o horário de visita é reservado pela web; guias turísticos independentes podem acompanhar grupos de até 25 pessoas, mas devem estar equipados com capacetes e microfones para manter a distância física; uso de máscara e álcool gel ao entrar, entre outras regras.
Rio de Janeiro
Pelos lados tupiniquins, o governo do Rio de Janeiro publicou na quarta-feira (19) um decreto de flexibilização das medidas contra a covid-19. As salas de cinema, por exemplo, poderão retomar as atividades com protocolos como 40% de ocupações ou 2 metros de distanciamento entre um espectador. Já as salas de teatro, de concertos e centros culturais poderão reabrir com 30% da ocupação de seus espaços, entre outras normas.
Entretanto, as prefeituras da capital carioca e de Niterói, na Região Metropolitana, informaram que não vão seguir o decreto estadual. Aliás, a cidade do Rio de Janeiro seguirá o exemplo de New Castle e ganhará seu festival a céu aberto com “cercadinho”: o Restaurante Open Air será realizado no estacionamento da Jeneusse Arena e deve estrear no dia 27 de agosto com um show de Jorge Aragão para convidados.
Com preços que vão de R$ R$ 320 a R$ 1.440 (variando conforme a distância do palco), o projeto terá capacidade inicial para até 500 espectadores, divididos em mesas para até quatro pessoas e divididas por cordas e círculos no chão. Quem desrespeitar os protocolos ou normas de distanciamento social, estará sujeito a multas com valores em até R$ 1 mil. Para reforçar a vigilância, drones irão monitora a área.
O controle antes da reabertura
De acordo com Luciano Golani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), espaços culturais tendem a ser um ambiente fácil para a implantação de regras, desde que se esteja em um nível epidemiológico apropriado: ou seja, com o número de casos bastante reduzidos. Golani destaca que as normativas devem incluir, principalmente, o distanciamento social e o número reduzido de pessoas nos espaços, além do uso de máscaras e higienização constante. Também reforça que o ambiente ideal para a realização de eventos é ao ar livre.
Alexandre Zavascki, professor de infectologia da UFRGS, chama atenção para o volume de ar em um ambiente fechado. Ele ressalta que um estabelecimento em que o ar só é resfriado ou aquecido, sem ser trocado ou filtrado, pode favorecer a transmissão do vírus pelo ar. Sobre a possibilidade da retomada de eventos e reabertura de espaços culturais no Brasil, Zavascki alerta que nenhum país voltou com essas atividades com a taxa de transmissões em alta, como ocorre aqui e nos Estados Unidos.
Golani corrobora e reforça que a reabertura depende muito da situação de cada país, exemplificando que a situação do Uruguai é muito diferente da dos Estados Unidos, que atua com políticas variadas em diferentes regiões:
— É inadequado flexibilizar os espaços culturais onde o número de óbitos é muito grande. Em Porto Alegre, agora, seria completamente inadequado.
Zavascki ressalta que nada impede que sejam planejados eventos e atividades de bem menor risco:
— Precisam ser analisados cautelosamente. A sugestão é que se aguarde uma queda do número de casos de transmissão comunitária leves, baixos e moderados, e não altos como nós temos, bem acima de 10 casos por 100 mil habitantes por dia. Que se retorne com eventos de menor risco, que envolvam bem menos pessoas, fáceis de se manter o distanciamento e em ambientes com grande volume de ar.
Eduardo Sprinz, infectologista e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas, ressalta que a melhor medida no momento é a prevenção:
— Nos países que controlam a infecção, há busca ativa de casos agudos, com a testagem para suspeitas e busca pelos contatos para também serem testados. Somente com essas atitudes, nesse momento, diminuiremos de forma drástica o número de novos casos.