FOLHAPRESS - Em 2015, surge um curta-metragem que parecia um OVNI na filmografia brasileira. É "O Corpo", do realizador gaúcho Lucas Cassales, que prima pela construção de uma atmosfera sinistra e aterrorizante.
Quatro anos depois, o mesmo diretor finaliza seu primeiro longa, chamado "Disforia". Percebemos nele a mesma importância da atmosfera para o desenrolar da trama, fundada em mistérios envolvendo uma menina que, abruptamente, quebra o espelho do banheiro da casa onde mora com o pai viúvo e a avó materna.
Essa menina, Sofia (Isabella Lima), recebe aulas em casa, numa espécie de educação alternativa imposta pelo pai e pela avó, Maria Luiza (Ida Celina Weber). O pai, Paolo (Vinícius Ferreira), tem o aspecto sinistro de quem esconde algo muito grave. Ele representa a instância mais assustadora no início, mas a menina Sofia parece muito ligada a ele.
Para investigar o caso, um psicanalista chamado Dário (Rafael Sieg) é chamado. Mas Dário também tem seus problemas. O mais grave deles é a esposa, que teve um surto e está numa casa de repouso, incomunicável.
Todos esses ingredientes contribuem para o horror e ao mesmo tempo deslocam esporadicamente nossa atenção para a crise familiar que os personagens enfrentam, cada um lidando com a ausência de sua alma gêmea, seja ela fraternal, maternal ou matrimonial.
Paolo fazia vídeos caseiros de sua esposa, que faleceu após o parto, e a narrativa é invadida, vez ou outra, por esses vídeos. É um efeito interessante de quebra de expectativas, que ajuda a nos recompormos após algum momento de tensão.
Mas em um único momento essa intrusão do "found footage" se mostra inadequado, e não podemos dizer aqui porquê. Basta adiantar que ele talvez explique demais, dê pistas demais de algo que não necessariamente será elucidado, quando o forte do filme é seu mistério aparentemente sem saída.
Pode-se lamentar que o elenco não está todo afiado. Sieg, por exemplo, sente o peso de seu papel (o mais difícil do filme, sem dúvida) e a dificuldade de contracenar com três atrizes em estado de graça, de três gerações diferentes: a pequena Isabella Lima, a veterana Ida Celina e a surpreendente Juliana Wolkmer, que interpreta Silvia, a esposa catatônica de Dário.
Também é possível lamentar que a narrativa nem sempre tenha um fluxo satisfatório, pensando na única cena de vídeo que não funciona, e consequentemente nos minutos finais, justamente quando o filme devia crescer em interesse.
O que não dá para ignorar é que Lucas Cassales consegue algo raro em cinema: possibilitar ao espectador o acompanhamento de um mistério com a consciência de que as explicações são desnecessárias. O mistério já nos entretém por si mesmo.
Essa condição o diretor constrói com a atmosfera criada satisfatoriamente, a mesma que havia desenvolvido a contento para seu curta. Natural que não a consiga durante toda a duração de um longa. Mas o caminho até ela é fascinante.
DISFORIA
Produção Brasil, 2019
Direção Lucas Cassales
Elenco Rafael Sieg, Ida Celina Weber, Juliana Wolkmer
Quando Estreia nesta quinta (12)
Classificação 14 anos
Avaliação Bom