Com presença confirmada na Feira do Livro de Nova Hartz desde julho, a escritora gaúcha Luisa Geisler foi surpreendida na última terça-feira (12) com uma ligação da produção do evento. Sob alegação de que seu novo livro Enfim, Capivaras, voltado ao público jovem, continha "linguagem inadequada", ela foi informada de que a prefeitura do município do Vale do Sinos havia solicitado o cancelamento de sua participação. No próximo dia 28, durante a feira, a autora conversaria com alunos de sexto a nono ano do Ensino Fundamental sobre a obra.
A ida da autora à feira de Nova Hartz fazia parte de contrato firmado com a prefeitura que incluía a aquisição de cerca de 20 exemplares de Enfim, Capivaras. O objetivo era trabalhar o texto junto a turmas de três escolas municipais. No entanto, a existência de palavrões nas falas das personagens da narrativa chamou a atenção de professores e pais de alunos da rede pública de ensino. Com isso, iniciou-se uma pressão junto à prefeitura para retirar o acesso ao livro dos jovens entre 11 e 14 anos.
- Confesso que era algo que eu jamais achei que fosse acontecer. Estamos vivendo um cenário muito perigoso, em que governantes acham que podem definir o que a população entende ou não (de um livro). Isso é censura - afirma Luisa.
A editora Companhia das Letras, que publicou o livro por meio do selo Seguinte, divulgou nota em que "repudia qualquer tipo de censura". "Acreditamos que a literatura (e a arte, em geral) deve ser questionadora, e reforçamos nosso compromisso de nunca subestimar o leitor jovem, publicando obras que retratem as experiências dos adolescentes de forma honesta e que promovam o diálogo", aponta.
Lançado neste ano, Enfim, Capivaras é a primeira obra de Luisa voltada ao público jovem, com classificação etária a partir de 11 anos. Na narrativa, que se passa em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, Binho é um garoto mentiroso que inventa que tem uma capivara de estimação. Cansado das mentiras de Binho, um grupo de jovens tenta encontrar o animal. Neste sentido, a narrativa explora, a partir de diferentes pontos de vista, as relações entre os adolescentes, envolvendo romances mal-resolvidos, segredos, álcool, entre outros elementos.
A autora destaca que participou de eventos em oito Estados e até mesmo no Exterior para divulgar a obra, que já vem sendo trabalhada em escolas de outros municípios do país, e nunca havia tido problemas como o ocorrido em Nova Hartz.
Pressão da comunidade
A secretária de educação de Nova Hartz, Veronice Zandoná, destaca que a pressão exercida por parcela da população do município foi o que pesou para a prefeitura decidir cancelar a participação da escritora na Feira do Livro. Para a secretária, não há censura na decisão. Mesmo não tendo lido toda a obra, ela acredita que o livro não era recomendado para ser utilizado em sala de aula com alunos entre 11 e 14 anos.
- O livro chegou há pouco tempo. Fiz uma leitura muito rápida, pelo excesso de trabalho, mas não me detive. Pedi para os professores analisarem e eles perceberam um linguajar inadequado - diz.
O tema virou até mesmo assunto no Legislativo do município de 21 mil habitantes. Na última segunda-feira (11), o vereador Robinson Bertuol (PSC) relatou na tribuna que sua filha, de 12 anos, um dia havia chegado assustada em casa por conta do vocabulário "de baixo calão" do livro utilizado na aula. "Para minha alegria e a dos pais das crianças, o livro foi retirado de circulação e a autora não virá para a Feira do Livro", comemorou em discurso.
- Não tenho nada contra a obra, mas considero ela inapropriada. Não deveria ter entrado na escola, no meio desse caminho deveria haver um filtro. O caso foi resolvido, a Luisa toca a vida dela. Mas aqui em Nova Hartz, no meu entender, precisamos preservar as crianças - acredita.
Bertuol também rechaça que tenha havido censura. Para ele, a prefeitura apenas desempenhou sua atribuição legal de contratar ou cancelar os eventos que julgar adequados.