NOVA YORK – Ultimamente, Abdel R. Salaam tem um lugar em mente: Ruanda. Como diretor artístico do festival DanceAfrica, sua missão é criar uma programação que tenha o equilíbrio perfeito entre contemporaneidade e tradição. É o tipo de propósito que levanta grandes questões: "Como você preserva o melhor de uma forma de arte e uma experiência cultural e ao mesmo tempo dá voz àquilo que elas pretendem ser?", questionou Salaam.
Em memória ao 25º aniversário do genocídio de Ruanda contra o grupo étnico dos tutsis, ele dedicou a parte de performance do festival DanceAfrica deste ano a esse país africano. O programa de dois atos traz uma estreia de Salaam, "Rwanda Reborn: The Remix", e uma apresentação de Inganzo Ngari, uma companhia de dança tradicional de Ruanda que se apresenta pela primeira vez nos EUA.
Salaam disse que tem como missão expandir a abrangência do festival para além da região mais conhecida da África Ocidental. No ano passado, o foco recaiu sobre a África do Sul. "Quero abri-lo para que o público veja que esse continente, que é três vezes maior do que os EUA, tem mais a oferecer. Podemos aprender, crescer e nos empoderar vendo a vastidão dele. Estou tentando trazer tudo isso para cá, para vocês", contou.
Mas a escolha de Ruanda não foi apenas pela história política do país. Salaam, que é natural do bairro do Harlem e dançou com muitos coreógrafos modernos antes de montar o grupo Forces of Nature Dance Theater, também se apaixonou pelas danças ruandesas. Além do estilo forte e robusto, elas têm um lado leve e harmonioso que realça o movimento dos braços.
"O movimento foi minha primeira paixão. Parece contorno e forma. Parece dança contemporânea, mas não é. Por isso, transgride e modifica completamente a estrutura daquilo que pensamos ser tradição – os bailarinos abalam os limites e se movem pelo espaço, mas é dança tradicional", descreveu.
Quando o assunto é a programação do DanceAfrica, Salaam busca por um certo tipo de força artística. "Toda vez que alguma coisa é derrubada e ganha nova vida, percebemos uma variação sutil. Ela está se movendo e se metamorfoseando em algo diferente. A mesma coisa está acontecendo com Ruanda", argumentou.
Para deixar o espetáculo que produziu o mais autêntico possível, Salaam trabalhou em parceria com a atriz ruandesa Malaika Uwamahoro, que recentemente estrelou o monólogo "Miracle in Rwanda", apresentado no circuito teatral alternativo. Para o projeto dele, ela contribuiu com o texto e vai se apresentar ao lado do grupo Spirit Walkers, formado por bailarinos com quem Salaam trabalhou, e da companhia BAM/Restoration Dance Youth Ensemble.
Uwamahoro nasceu em Ruanda em 1990; três meses depois, fugiu com a família para Uganda porque, como explicou, "já havia uma tensão". Após viver em Uganda e nos Estados Unidos, retornou a Ruanda quando tinha quase 12 anos.
"Eu sabia o que acontecia lá, e fiquei nervosa de voltar", revelou Uwamahoro, hoje com 28 anos. "Fiquei muito resistente quando minha mãe disse: 'Vamos voltar para Ruanda.' Retruquei: 'Não, só ouvi coisas ruins sobre o país.' Mas, quando saí do avião, me apaixonei de imediato."
Durante a criação de "Remix", de Salaam, Uwamahoro relatou detalhes do genocídio. "Eu sabia que os bebês eram golpeados contra a parede. Era como eles os matavam", afirmou. No trabalho final, esses momentos são retratados com blecautes durante os quais se escuta o som de bebês chorando – o efeito é aterrador.
Após a encenação do massacre, Uwamahoro emerge de uma pilha de cadáveres interpretando uma personagem que Salaam batizou de Soul Survivor (Alma Sobrevivente). Ela contou que, quando ele a instruiu para engatinhar para fora do monte de corpos, "realmente tive de pensar: qual a primeira coisa que eu poderia dizer após sair de um amontoado de defuntos? Finalmente, eu disse: 'Esse sopro de vida é mais sufocante do que a morte'".
Há também a encenação de um Gacaca, um tribunal comunitário (baseado em uma prática real em Ruanda) em que sobreviventes confrontam prisioneiros. "Pode haver perdão", afirmou Salaam. "Perguntei a Malaika: 'Todo mundo admite a culpa?' E ela me respondeu: 'Não! Eles voltam para a cadeia.' Isso foi um desafio interessante na dramaturgia para mim, mas é importante porque o Gacaca abre espaço para a reconciliação."
No segundo ato, Inganzo assume com o número "Land of a Thousand Hills", uma apresentação de dança e música revigorante que explora algumas das diferenças estilísticas entre homens e mulheres.
"Intore", por exemplo, ilustra a força e a bravura masculina com pulos poderosos; em um salto explosivo, os bailarinos chegam ao chão em posição de agachamento. "É uma dança de guerreiros. Foi apresentada como um desfile na frente do rei", esclareceu Serge Nahimana, diretor artístico e coreógrafo de Inganzo, sobre as raízes da coreografia.
A dança feminina é um deleite em outro sentido. "É elegante, é fluida, ela circula. É uma sensação viva da graça. É outra construção da beleza e da elegância", elogiou Sallam, dando um pequeno suspiro e completando: "A leveza disso."
Aspectos da cultura são visíveis nas danças, particularmente aqueles para as mulheres cujos lentos movimentos dos braços – abertos no formato da letra V, esticados acima da cabeça com as palmas das mãos viradas para fora – estão relacionados ao formato dos chifres das vacas, animais reverenciados em Ruanda: "Uma pessoa rica lá é a que tem muitas vacas. Elas têm valor na nossa cultura", ensinou Nahimana, com uma risada.
Ao trazermos Ingazo Ngari, mostramos que não somos apenas o que aconteceu em 1994, mas sim o que éramos antes do genocídio e quem somos hoje.
MALAIKA UWAMAHORO
atriz
Uwamahoro concordou. Apesar de ser primordialmente atriz, poeta e ativista, ela estudou dança tradicional em Ruanda na adolescência, o que continua sendo sua grande paixão, pela maneira como representa muito da sua cultura. "Ao trazermos Ingazo Ngari, mostramos que não somos apenas o que aconteceu em 1994, mas sim o que éramos antes do genocídio e quem somos hoje."
Para Salaam, Ingazo Ngari é uma força de cura. Ele viajou a Ruanda pela primeira vez no ano passado e, assim que viu a companhia, ficou apaixonado por ela. "O grupo era lindo, elegante, sofisticado", enalteceu e acrescentou com uma risada: "Eles conseguiram vistos para os EUA. Eu consegui o melhor de todos os mundos: uma companhia que é maravilhosa."
Por Gia Kourlas