Em uma Nova York dos anos 1950, em um cenário pós-II Guerra Mundial, tensões constantes entre norte-americanos e italianos que imigraram em busca de melhores condições de vida causavam conflitos e tornavam as periferias pouco seguras. O cenário, se fosse transportado para a atualidade, poderia ser encaixado em vários outros países em que ainda ocorrem tensões provocadas por outras imigrações, e é esse o ponto de partida da montagem Um Panorama Visto da Ponte, que tem duas sessões no Teatro do Bourbon Country, nesta sexta (8) e neste sábado (9), e uma em Novo Hamburgo, neste domingo (10).
A peça em dois atos, escrita inicialmente em 1955 e reescrita em 1956, é um dos grandes textos do dramaturgo norte-americano Arthur Miller (1915 - 2005) e ganhou versão local com direção de Zé Henrique de Paula, estrelada por Rodrigo Lombardi e Sérgio Mamberti.
No espetáculo, narrado pelo advogado Alfiere (Mamberti),o público acompanha a história de um casal de imigrantes italianos - Eddie Carbone (Lombardi) e Beatrice. Os dois criam a sobrinha órfã de Beatrice. O conflito se estabelece quando a família recebe dois primos italianos de Beatrice, que estão tentando imigrar ilegalmente para os Estados Unidos. A partir deste encontro, o "sonho americano" fica ameaçado, e todas as emoções antes camufladas começam a aparecer.
— A peça ganha uma atualidade enorme, por tratar da imigração, um tema tão caro e que vem deixando todos preocupados. Com as guerras no Oriente Médio, por exemplo, a Europa está sendo invadida por levas de imigrantes que, de certa forma, são indesejáveis por lá, ficam em acampamentos. E, a exemplo do período em que a peça foi escrita, existem países proibindo a imigração — pontua Sérgio Mamberti, 80 anos.
Confira entrevista com Rodrigo Lombardi
Um dos panos de fundo da peça, a imigração ilegal, é um tema muito atual, mesmo que a peça tenha sido escrita nos anos 50. Como é tratar, no palco, de um tema como esse, que movimenta diversos países no mundo, inclusive o Brasil?
A peça é um clássico exatamente por isso, porque ela sobreviveu ao tempo. Arthur Miller questionou os problemas que ele via nos anos 1950, e esses problemas são os problemas do mundo de hoje. Um clássico é um clássico porque vence os tempos, é atual em qualquer tempo. Poder levantar todas essas questões no palco e que a plateia se identifique com os personagens. Essa é a função do teatro, passar a vida humana a limpo.
No palco, como é a troca de vocês, de gerações diferentes, e como a experiência de cada um em contracenar com o outro?
Temos três, quatro gerações na peça. Temos atores mais jovens, no início de seus 20 anos. Eu tenho 42, tem gente com 50, o Sérgio tem 80. Essa é a grande beleza desse processo, a gente aprende muito com os atores de 20, pois eles têm uma essência que a gente não tem, eles representam o mundo que já mudou.
E como é a experiência para os dois, mesmo sendo atores experientes, de encenar uma peça de um nome tão emblemático como Arthur Miller?
Eu já conhecia essa peça, e tinha lido novamente, há pouco tempo, antes de chamarem para fazê-la. Quando me chamaram, tomei um susto. Fazer (uma peça de) Arthur Miller é um presente para qualquer ator. Pode ser parecer clichê, mas é verdade. o Eddie Carbone é um personagem tão esperado por um ator quanto Hamlet, de Shakespeare, por exemplo. A gente fica besta de ver como a gente mudar nosso ponto de vista sobre esses personagens, porque parece que eles fazem parte da gente. Ter um Arthur Miller no currículo é uma virtude tão grande para um ator, é um sonho realizado. Depois que você "bebe dele", você quer mais e mais.
Quando lançada, nos anos 50, a peça foi alvo de críticas. Hoje, é sucesso. Na avaliação de vocês, por quais fatores isso pode ter acontecido?
Muitas peças foram criticadas quando foram escritas e lançadas. Shakespeare era popular, Maquiavel tentou escrever teatro para conseguir seu emprego numa estatal. Todos eles fizeram sucesso fora de seu país de origem, para depois voltar. Com Arthur Miller, não foi diferente, ele sofreu críticas justamente porque ele criticou, apontou o dedo. Ele fez a função do artista, que é passar a vida a limpo. As pessoas não tem noção do tempo que estão vivendo, elas só nomeiam esse tempo depois que ele passa. Nesse momento, a gente pode olhar para trás e estudar o que aconteceu ali. Hoje, acontece a mesma coisa. A gente só vai conseguir olhar com mais clareza essa fase turva que a gente está vivendo, quando a gente passar por isso.
Historicamente, o teatro é um meio libertário, com menos censura do que outros meios. Em épocas de vigilância de redes sociais, prints por todos os lados, de politicamente correto, como enxergam a importância do teatro?
Eu acho o teatro necessário, porque ele é questionador. Ele entrega para você, naquele momento, o que nenhum outro veículo te entrega, que é o "ao vivo", a troca de energia entre as pessoas. O (espetáculo) anterior foi diferente, o posterior, também será. O cinema é muito passado a limpo, muito limpinho, a televisão também e o rádio não tem imagem. No teatro, é como se você não fosse um espectador, é como se você fosse uma testemunha de algo que acabou de acontecer. Por isso que o teatro continua resistindo, por isso que a gente faz teatro, por isso que a gente é apaixonado por teatro, por isso que a gente vai resistir sempre.
Um Panorama Visto da Ponte
Quando: sexta (8) e sábado (9), no Teatro do Bourbon Country (Avenida Túlio de Rose, 80, 2º andar). Domingo (10), no Teatro Feevale, ERS-239, 2.755, em Novo Hamburgo, às 20h.
Ingressos: para as sessões de Porto Alegre, entre R$ 80 e R$ 140, com desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante ZH. Em Novo Hamburgo, de R$ 60 a R$ 120.
Pontos de venda: para os dois espetáculos, no site uhuu.com e na bilheteria do teatro, das 10h às 22h. Somente para o de Novo Hamburgo, na bilheteria do Teatro Feevale.