Ao ouvir na Rádio Gaúcha que a Multisom deixará de vender CDs e DVDs, o funcionário público Jorge Murilo Oliveira se direcionou imediatamente à loja da rede localizada na Andradas, em frente à Praça da Alfândega, após encerrar o expediente no trabalho. O item deixará as prateleiras da rede até o final de 2018, mas o porto-alegrense de 56 anos quis antecipar a despedida de um hábito no local que fomenta sua paixão de música.
– Compro conforme o que dá. Quando não tem lançamento, que costuma ter um preço maior, levo três ou quatro CDs. Geralmente busco pagode – relata Murilo, segurando três CDs e três DVDs, além de uma caixa de som portátil.
Apesar da possibilidade de download ou consumo de música por streaming, ele se atém à mídia física.
– A qualidade do som do CD é ótima. É um vício gostoso: abrir a caixa, ver o artista e sua fotografia, que normalmente é uma arte, colocar a mídia no aparelho – garante.
Murilo estima possuir em torno de 220 CDs, porém o número poderia ser um pouco maior se não fosse um detalhe.
– Se você empresta um CD, ele não volta –brinca. – Mas tenho aqueles que não saem de casa: Emílio Santiago, Djavan, Caetano Veloso, Cidade Negra e Raul Seixas – completa.
Outro cliente da Multisom que opta pela mídia física em detrimento das possibilidades da internet é Roberto Santi, que havia adquirido um CD do Jorge & Mateus.
– Não tenho mais paciência. A pessoa se casa, tem filha e a responsabilidade de alfabetizá-la. Acaba não tendo mais tempo para isso (streaming) – explica o fisioterapeuta de 36 anos.
Roberto costuma comprar CD quase mensalmente, geralmente com foco no sertanejo universitário – gosta de nomes como Henrique e Juliano, Luan Santana e Jorge & Mateus.
– Procuro comprar sempre o CD original. O preço hoje é bem mais acessível que antes, embora tenha um ou outro que se sobressaia – ressalta.
Segurando um DVD do violinista e regente André Rieu que adquiriu, o aposentado Adaides Cardoso foi pego de surpresa pela descontinuação da venda de CDs na Multisom. Ele calcula ter em torno de 140 mídias, e pela sua cabeça não passa a possibilidade de usar a internet para procurar música.
– No momento que me mudei para o interior, desativei tudo, até mesmo meu computador, pois meu objetivo era ter menos estresse. Desliguei de tudo – conta o morador de Teutônia, que costumar ir a Porto Alegre para visitar seus imóveis.
O aposentado de 73 anos gosta do ato de ter o contato com o CD e ver a cara do artista:
– Ainda mantenho o hábito de antigamente, do CD e DVD. Eu sou um conservador. Na minha coleção, dou preferência para música nativista, já que minhas origens são da fronteira.
Com movimentos lentos, Adaides observou pacientemente todas as prateleiras de CDs e DVDs da loja. Ele conta que foi para o interior do RS em busca de tranquilidade, pois sua saúde é bastante frágil.
– Tenho três pontes de safena e quatro stents. Já sofri cinco ataques cardíacos. Minha saúde está por um fio. Então, minha vida atualmente é só viajar e aproveitar.
Adaides curte cada momento com seus CDs e DVDs, afinal, a música é uma terapia para o aposentado e o ajuda a relaxar, como é o caso da obra de André Rieu.
- Isso aqui é música, não som. Som é aquilo de um pessoa batendo em uma lata. Gosto daquela música sensível, que agrada aos ouvidos. Isso daqui para mim é música – afirma Adaides, apontando para o DVD que comprou.
Fim de uma era
Produtos que chegaram a ser os puxadores de vendas, os CDs não terão mais espaço nas prateleiras da Multisom, conforme anunciou o dono da empresa, Francisco Novelleto, à GaúchaZH na última segunda-feira (7).
A rede tem cerca de 120 lojas. Apenas 20 ainda vendem CDs e, a cada mês, o produto sairá da prateleira de algumas unidades. Atualmente, o produto de maior venda na Multisom é celular. Em seguida, estão outros eletrônicos e, em terceiro lugar, os instrumentos musicais.
Além da queda na compra de CDs com a mudança na forma de consumir música, Novelleto cita a concorrência do comércio online.
— É mais que uma tendência mundial. É um vício. A Multisom é o espelho do que está acontecendo com os shoppings. Dos 100% dos consumidores, 40% estão sem dinheiro, 40% estão comprando pela internet e os 20% que me sobraram não fazem fechar a conta — comentou o empresário.