Por Luiz Paulo Vasconcellos
Ator e diretor de teatro
A inauguração do Teatro São Pedro constitui para Pôrto Alegre um acontecimento de alta significação cultural e social. Não podia deixar de ser assim. Para um público ralinho (...), o sólido e austero casarão da Praça da Matriz tinha necessariamente de encher os olhos e impor respeito. (...) O que estava ali de pé valia alguma coisa. E uma cidadezinha cuja população ainda não atingira a casa dos vinte mil não poderia exigir obra melhor nem mais imponente, sobretudo se se atentasse para o luxo das instalações e, especialmente, para o capricho de sua decoração interna.
Assim Athos Damasceno se refere à inauguração do Theatro São Pedro, em 1858, em texto publicado na obra Palco, Salão e Picadeiro em Porto Alegre no Século XIX (Editora Globo, 1957).
Cento e quinze anos depois, em 1973, o teatro fechava as portas, corroído pelos cupins, pelo descaso e pela incompetência da política cultural do Estado. Dizem as más línguas (e bota “más” nisso...) que, durante certo tempo, seus camarins serviram como quartos de motel para deputados, que não precisavam nem atravessar a rua para chegar ao local. Outro detalhe significante da decadência do teatro era o fato de que vários técnicos moravam nos porões e nos camarins. E assim o tempo foi passando e o teatro foi aos poucos se deteriorando, tanto no sentido arquitetônico quanto no sentido ético e moral. Em 1975, com um projeto dos arquitetos Carlos Antônio Mancuso e Antônio Carlos Castro, a reconstrução foi iniciada. À frente de tudo isso estava a incansável e incomensurável Eva Sopher.
Em depoimento publicado em Teatros – Uma Memória do Espaço Cênico no Brasil, de J. C. Serroni (Ed. Senac, 2002), o ator Paulo Autran faz o seguinte comentário:
Que maravilha a energia e a competência de dona Eva! Ela mendigou, sim; ela exigiu, sim; ela implorou, sim; ela incomodou, sim; mas ela conseguiu, sim. Atualmente não há teatro mais limpo e bem organizado no Brasil. O palco inteiro livre para os cenários e sua movimentação. Os camarins confortáveis, com banheiros completos. A sala linda, toda restaurada, é um colírio para os olhos. A acústica é perfeita.(...) Um dos teatros mais bem equipados do país.
Outro depoimento publicado na mesma obra é o da cenógrafa Daniela Thomas, que assinala:
Dona Eva é uma figura exemplar, porque ama o São Pedro e, com o gesto dela, com o jeito que trata o teatro, faz com que essa mesma experiência seja experimentada por quem o visita. É o cuidado que todos deveriam ter em lugares públicos. A dona Eva tem essa noção de que isso é um bem público e que deve ser apreciado. Então, o jovem que entrar lá é acariciado pelo espaço, que mostra como era a vida há 150 anos.
A própria Eva Sopher, na apresentação do livro Theatro São Pedro, Palco da Cultura (Instituto Estadual do Livro, 1989), confessa:
Ao aceitar a tarefa de escrever a apresentação para este livro, cometi uma imprudência – como, aliás, cometi quando aceitei a tarefa de “restaurar” o teatro: agi com paixão em ambos os casos. Paixão pelo teatro, paixão à primeira vista, paixão profunda que continua e continuará sempre. (...) Se consegui levar adiante essa tarefa e terminá-la em nove anos, se consigo coordenar os trabalhos de administração do teatro em pleno funcionamento desde sua reinauguração há cinco anos, é graças ao amor que dediquei, dedico e recebo desse trabalho. É o amor o elemento base da minha vida e de minha atuação e é o amor que tento transmitir a todos que, de uma forma ou de outra vivem com o Theatro São Pedro. (...) A imprudência que citei no início refere-se ao fato de eu não ser escritora nem construtora de teatros, mas à tentação de um desafio quando dificilmente consigo dizer: Não!
Dona Eva Sopher faleceu na última quarta-feira (7), aos 94 anos, deixando como legado sua crença na transformação do mundo através da arte.