Nos anos 80, a expansão da comédia nos EUA resultou em um circuito de centenas de clubes, um novo gênero de programa de TV com apresentações de stand-up e a consolidação da carreira de nomes como Jerry Seinfeld e Roseanne Barr. Na década seguinte, o movimento perdeu o fôlego, quase 25 por cento das casas fecharam e dois canais de cabo em dificuldades se fundiram para se tornar depois o Comedy Central.
Estamos em outro período de crescimento há quase dez anos. Desta vez, há um número ainda maior de plataformas, com uma verdadeira explosão de shows em estádios, noites do stand-up a preços promocionais ou de graça, com o cabo, o YouTube e vários canais de streaming dedicados ao gênero. Talvez mais importante tenha sido o empurrãozinho da Netflix, em 2017, que acabou se tornando o canal dos especiais.
Entretanto, é fácil ver os sinais já previstos de saturação. "A Netflix está lançando um especial a cada semana, o que é legal porque agora você pode fazer maratona para acompanhar o país se enfastiando do stand-up de novo", brinca o comediante Andy Kindler, em seu discurso anual do Estado da Indústria.
Já se vê alguma contração on-line: o serviço de streaming de comédia do canal NBC, o Seeso, foi suspenso; o site pioneiro Funny or Die fez alguns cortes. E mesmo antes de a queda repentina de Louis C.K. inspirar uma reavaliação, um clima de ansiedade já toma conta dos clubes, com a possibilidade de uma segunda derrocada. "Uma das coisas que tenho ouvido muito é que os casas de comédia estão morrendo", afirma Sean Joyce, promoter e host de Washington, por e-mail. Louis Faranda, responsável pela promoção de Carolines on Broadway e que assistiu de camarote às duas fases de ascensão, já prevê que uma queda vem chegando e que os espaços menores devem fechar. Greg Godbout, que tem estabelecimentos na Virgínia e em Washington, confessa ter sentido a mudança no Festival Just for Laughs, o evento superimportante do setor, realizado em Montreal. "Vi o dono de um clube antigo e famoso colocá-la à venda. E disse que eu podia fazer a primeira oferta", conta.
Mas talvez a ruína seja exatamente aquilo de que a comédia precisa.
Para entender o porquê, vamos voltar à origem da boa fase atual: começou por volta de 2009, quando Marc Maron começou um podcast na garagem de casa e Louis C.K. filmou "Hilarious", seu primeiro especial de produção independente, assinando depois com a FX para fazer um sitcom com um controle artístico sem precedentes. No mesmo ano, Rob Delaney criou um novo caminho para o sucesso no stand-up, através das piadas de 140 caracteres no Twitter. O que estimulou e, sem dúvida, definiu esse período foi a ênfase na experimentação, o que ajudou a transformar a comédia em forma de arte de prestígio.
E como acontece com qualquer outro setor cultural, a internet foi o fator democratizador, diminuindo o poder dos "guardiões", abrindo avenidas para o sucesso e atendendo a um público até então ignorado. Grace Helbig, que antes ganhava a vida no improviso, descobriu um fã-clube imenso entre as jovens no YouTube, e comediantes como Phoebe Robinson e Jessica Williams transformaram seu show ao vivo em podcast, "2 Dope Queens", o que resultou em um contrato com a HBO. Há tantas opções hoje – não só de canais na internet, mas também de cabo como IFC e Adult Swim, que cortejam os fãs acintosamente – que a atenção se tornou o recurso mais escasso, do qual instituições poderosas e tradicionais que vão desde "Saturday Night Live" a Jerry Seinfeld abocanham a maior porção.
Embora haja mais jovens entrando no campo, os artistas que ganham mais destaque são mais velhos, em parte porque os comediantes que continuam a comandar os maiores sucessos da Netflix se tronaram famosos antes que a cultura se fragmentasse em nichos. A idade média dos dez cômicos mais bem pagos da lista da Forbes, em 2017, é de quase 50 anos; não é surpresa então que as piadas sobre divórcio (Chris Rock), criação dos filhos (Jim Gaffigan) e o acompanhamento da modernidade (Dave Chappelle) estejam bem representados. É difícil para um profissional emergente arrebentar nesse cenário, tão mudado, mas é ainda mais complicado para que alguém que seja um nome mediano respeitado conquiste aquele tipo de fama que muda a cultura. Os astros que se estabeleceram recentemente não são tão famosos quanto antes; muitos experimentalistas ousados como Kate Berlant e Rory Scovel vêm fazendo um trabalho brilhante há anos, mas ainda não encontraram um veículo à altura de seu talento e que os leve a um reconhecimento mais amplo.
Atualmente, grande parte do setor parece estagnada, dominada pela mesma meia dúzia de astros e uma enxurrada de jovens talentosos tentando estourar. Quando foi a última vez que surgiu um superastro do stand-up que chegou para mudar o jogo? Será que o especial de Ali Wong em 2018 fará alguma diferença?
Depois de dois períodos de bonança, a comédia se tornou ingrediente básico na dieta da cultura pop de tanta gente que não pode, de repente, acabar – mas certamente se beneficiaria de um espírito revolucionário como o que gerou seu ressurgimento.
O que se ignora na narrativa já batida da primeira onda de sucesso da comédia é que ela começou depois de um período de inovação incrível, graças a artistas como Steve Martin, Richard Pryor e Andy Kaufman, e que seu colapso subsequente levou a um trabalho ainda mais ousado. O período de vacas magras fez nascer um cenário alternativo fértil nas duas costas norte-americanas que acabou flexibilizando a estética engessada do stand-up. "Mr. Show With Bob and David", "Tim and Eric Awesome Show Great Job!" e "Chappelle's Show" reinventaram a comédia de quadros. Jon Stewart e Rock revigoraram o humor político e a era de ouro do improviso deu frutos em Chicago, com Tina Fey, Amy Poehler, Stephen Colbert e outros desenvolvendo suas habilidades antes que o Upright Citizens Brigade estabelecesse um império em expansão nas Costas Leste e Oeste. A contração do setor prejudicou os negócios, mas certamente foi mais benéfica para a arte cômica que o período de bonança.
A cobertura do péssimo comportamento de Louis C.K. mostrou como um ambiente de trabalho tóxico trava a carreira das comediantes. Um legado de exclusão ainda assombra a comédia, não só encolhendo o número de mulheres no palco, mas também o público. O fato de a imagem da comédia ser amplamente definida pelos homens gera um impacto. Em artigo para o New York Times, Laurie Kilmartin descreveu a miríade de obstáculos de emperra a carreira feminina na indústria, e sugeriu até uma fórmula: "Colocar mais mulheres no palco, entre os roteiristas e na frente das câmeras é uma maneira excelente de mudar a comédia."
A derrocada de Louis C.K. pode dar a impressão de ser o fim simbólico para o período de crescimento atual, mas talvez não devesse ser encarada dessa forma. No momento, a comédia está em convulsão; a transição será difícil, mas também oferecerá oportunidades para quem estiver disposto a se ajustar. O público é maior e está mais diverso que nunca, assim como o número de artistas.
Godbout compara o estado do fluxo da comédia com o da indústria cinematográfica. "O pessoal diz que a Netflix está matando o cinema, mas isso só é verdade se você pensar que o setor se resume às superproduções. Para os donos de clubes, a impressão é a de que uma bolha estourou, mas para os fãs, há mais opções que nunca. Não é uma questão de ascensão e queda; é um ciclo permanente, sísmico", conclui, reforçando seu otimismo no futuro.
Por Jason Zinoman