O gênero policial pode ser encarado de duas formas: escapismo de fórmulas prontas em que a prosa está mais preocupada em despertar curiosidade pelo desfecho do que em criar um mundo próprio. Ou como uma ferramenta que autores talentosos podem usar para seus propósitos, favorecidos pelo fato de que qualquer romance pode ser uma investigação, a bem dizer.
Claro que é assim porque há romances policiais que se enquadram em uma definição ou na outra. E os do escritor cubano Leonardo Padura, convidado desta segunda-feira do Fronteiras do Pensamento, com certeza se encaixam na segunda.
Leia mais
Leonardo Padura: "Aproximação com os EUA vai mudar a sociedade cubana"
"Muitos dos maiores males deste mundo começam com a corrupção da linguagem", diz Amós Oz, convidado do Fronteiras do Pensamento
Nascido em 1955 em Havana, Padura construiu desde os anos 1990 uma carreira literária como autor de ficção policial, com sua "tetralogia de Havana", quatro romances protagonizados por um policial vivendo uma severa crise pessoal em uma Cuba às vésperas do fim do chamado "socialismo real" que pautou o regime castrista por décadas. A situação mudou em 2013, quando o autor lançou O Homem que Amava os Cachorros, seu maior sucesso de público até hoje.
O romance, narrativa histórica escrita com a fluência dos grandes policiais, reconstitui as vidas de Leon Trótsky (1879 – 1940), artífice da Revolução Russa e seu mais famoso dissidente, e de Ramón Mercáder, militante comunista espanhol que matou Trótsky no México em 1940. O sucesso do romance trouxe Padura à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e à Feira do Livro de Canoas, em 2015.
O Homem que Amava os Cachorros condensa algumas inquietações que Padura já havia trabalhado em seus romances policiais protagonizados pelo detetive cubano Mario Conde. É um personagem que flerta, sem culpa, com clichês do gênero (é um homem de meia-idade desiludido e com a vida familiar desagregada). Mas o fato de muitas das tramas se enraizarem na Havana comunista reverte as causas dessa melancolia. Conde é desiludido por ser um policial em uma sociedade em que a corrupção das altas esferas do poder partidário é um obstáculo adicional a qualquer aparência de justiça.
Repercussão da obra em Cuba é restrita
Padura, hoje, é um nome internacional das letras cubanas. Sua obra está traduzida em 20 idiomas; em 2015 recebeu o prêmio Princesa de Astúrias; em 2016, sua tetralogia de romances com Mario Conde virou uma minissérie em quatro episódios, Quatro Estações em Havana, produzida pela Netflix e estrelada por Jorge Perrugoría (de Morango e Chocolate e da versão de 1997 de Navalha na Carne). Mas a repercussão em Cuba com os meios de comunicação sob controle estatal é restrita. O autor também costuma evitar manifestar-se em questões de política interna.
– Trato de que a política não influa em minha posição como escritor e como pessoa. Lutei muito para que a política não se converta em um tema da minha literatura. E é algo que prefiro não discutir, porque necessita de muitos matizes – disse, em entrevista durante sua passagem por Porto Alegre em 2015
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento; parceria cultural PUCRS e Instituto CPFL; e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Thyssen Krupp. Parceria institucional Fecomércio e Unicred, apoio institucional Embaixada da França e Prefeitura de Porto Alegre. Universidade parceira: UFRGS. Promoção: Grupo RBS.