Sempre disse ao amigo Jerônimo Jardim que era bom receber uma vaia como aquela dele na Califórnia da Canção quando venceu com Astro Haragano. Prever a passagem do cometa Harley em plena fronteira de Uruguaiana com um arranjo cheio de sonoridades eletrônicas e ainda ganhar!
Jerônimo saiu pelos fundos do palco, mas entrou pra história. Mostrou que havia mais no que se compunha no Rio Grande. Falei nele e lembrei da Elis. Num documentário sobre sua vida fala sobre a hostilização de muitos gaúchos quando foi para o Rio de Janeiro tentar a vida de cantora, afinal contrariando as expectativas de muitos, não estava vestida de prenda. Entrou para a história como a maior cantora brasileira.
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Há alguns dias completou 70 anos o Gaúcho da Fronteira. Lembro como se fosse hoje dele no Xou da Xuxa cantando o Vanerão Sambado, uma mistura do vanerão, conhecido por muitos como samba gaúcho, com o samba brasileiro, daquelas que realmente dá vontade de sair dançando. Gaúcho gravou com banda de rock e falou do rock em Rock Bagual. Na época, claro, sofreu represálias dos que se consideram proprietários da identidade gaúcha. Não pôde tocar aqui e ali, mas ganhou o Brasil levando a identidade no nome, na gaita, no jeito irreverente e inconfundível de homem da fronteira.
O Luiz Carlos Borges, lá no tempo do conjunto com seus irmãos, trouxe aquele ritmo diferente que ouvia no rádio e começou a tocá-lo nos bailes. O contratante dizia que contratava o conjunto mas que não deixassem o pequeno Borges tocar o tal ritmo diferente. Ele mesclava com outros e, sem perceberem, foi espalhando o chamamé no fandango gaúcho. Hoje fica difícil pensar num baile sem um bom chamamé para dançar!
Como entender a música do Rio Grande sem figuras como o Gaúcho da Fronteira? E Elis Regina? Sim, a maior cantora de todos os tempos na música brasileira e uma das mais reconhecidas no cenário internacional nasceu aqui e com ela levou compositores como o citado Jerônimo Jardim. E a Califórnia da Canção, quantas músicas deixariam de surgir se o festival não entendesse que há muitas formas de compor uma música regional? Ainda que o cometa não tenha cruzado o céu da fronteira naquela noite, o Astro Haragano transformou-se numa bandeira da diversidade regional, nativa e dos festivais.
Quantos eventos do gênero surgiram para abrir espaço para outro tipo de composição e quantos compositores apareceram? Com vaia ou sem vaia, com aplauso ou sem, com entendimento ou desdém, não importa. A arte e o artista precisam causar algum tipo de reação. O que se percebe é que ninguém marcou seu nome na história fazendo mais do mesmo, sendo comum, sendo conivente com padrões estabelecidos. Há que se transformar, ressignificar para permanecer!