Em um dos momentos mais atribulados de sua história, Emicida, que faz show nesta quinta-feira, no Opinião, na Capital, parece pensar que o Brasil precisa olhar para suas origens. Para isso, o rapper escalou dois colegas de Portugal para juntar ideias brasileiras e portuguesas em um disco internacional. A ideia de unir forças e batalhar por ideias comuns não é nova na carreira de Emicida – ainda que em Sozim ele liste situações em que teve que se virar sem a ajuda de ninguém, o músico tem promovido, desde que explodiu na cena rap, parcerias, musicais ou não, com essa intenção. Depois de ir à África estudar a fundo a história da população negra daquele continente, o rapper agora pega o avião até Portugal e escala dois rappers do país para celebrar, em conjunto, a língua portuguesa.
Em Língua Franca, o Brasil é representado por Emicida e Rael, dois dos rappers mais proeminentes do país, enquanto a música do país europeu é cantada por Valete e Capicua.
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Se há temas inerentes a nacionalidades, como racismo, machismo e pobreza, a dualidade Brasil-Portugal ganha contornos ainda mais interessantes, que extrapolam os sotaques. Confira as entrevistas com o brasileiro Rael e a portuguesa Capicua, que falam sobre o projeto, abaixo.
RAEL
Conte um pouco sobre esse projeto. Como ele surgiu? De onde veio a ideia de chamar rappers de Portugal, uma vez que é uma cenário de rap bem pouco conhecido no Brasil? E como chegaram até a Capicua e o Valete?
Esse projeto foi uma ideia do Emicida na verdade. Nasceu da percepção dele de que falamos a mesma língua, Brasil e Portugal, e ele e o Fióti me convidaram. Aceitei na hora, é claro (risos). O rap de Portugal é relativamente conhecido dentro da nossa cena hip hop, tanto que Valete e Capicua já haviam se apresentado no Brasil. Acho que foi uma boa junção, sabe, cada um tem uma característica e ouvindo o disco sinto que um completa o outro. Eu, Emicida e Capicua especialmente, que estamos na maioria das músicas, tivemos uma vivência muito intensa e ao mesmo tempo muito leve e harmoniosa, foi muito importante pra que desse certo.
Existem planos de turnê para este disco, tanto no Brasil quanto na Europa?
A gente faz a estreia em Portugal, no festival SuperBock SuperRock, agora em julho. Devem aparecer outras datas ainda. E claro, pretendemos sim rodar pelo Brasil também com essa turnê.
O intercâmbio entre o rap brasileiro e o rap de outros países é algo raro. Como você avalia essa parceria de vocês? O que podemos aprender com eles o que podemos ensinar?
Em primeiro lugar, essa ideia mesmo de que podemos trocar mais, todos têm a ganhar se a gente expandir esse território e criar essa ponte, né? No caso de Portugal especificamente tem essa questão da língua. Por que não consumimos mais músicas uns dos outros se falamos a mesma língua, se conseguimos nos conectar com tanta facilidade?
CAPICUA
Sei que você conhece a música brasileira, mas você já conhecia o Emicida e o Rael? Como foi esse encontro?
Sim! Já conhecia o trabalho dos dois e já conhecia o Emicida pessoalmente. Conhecemo-nos pessoalmente num festival em Portugal em que partilhamos o palco e desde então mantivemos contato. No ano seguinte, participei nos concertos que ele deu em Portugal e a partir daí veio a ideia de concretizar uma parceria mais forte. Quando nasceu a ideia do Língua Franca, aceitei logo o convite e tive o prazer de conhecer melhor o Rael também.
Como é o cenário do rap em Portugal? No que ele é diferente do Brasil?
Não sei se é bem diferente. Acho que é bastante equivalente no sentido em que tem crescido muito, é bem diverso e tem cada vez mais público. Tenho muito orgulho na cena rap portuguesa, porque acho que há muita qualidade e variedade por aqui. Gostaria que o público brasileiro tivesse acesso ao que se faz em Portugal e espero poder contribuir para isso.
As mulheres do rap demoraram para conseguir seu espaço no Brasil, mas agora vieram para ficar. O meio rapper em Portugal também é machista? Você sofreu ou sofre preconceito por ser mulher e fazer rap?
O meio é muito masculino e tem machismo, sim. Mas acho que isso também acontece em outras cenas musicais, como o rock, o punk ou a música eletrônica. E acho também que acontece em outras esferas, como a política, as empresas ou o esporte, precisamente porque o sexismo é um problema cultural, transversal à nossa sociedade e não um problema apenas da comunidade hip hop. Portanto, como se diz no Brasil, "o buraco é bem mais embaixo". Temos de falar sobre patriarcado e sobre como é preciso socializar as mulheres para desenvolverem as características necessárias para conquistar o espaço público e investir no seu próprio talento. Acho que não estimulamos as mulheres a aspirar lugares de liderança, a expor opiniões, a ser competitivas, a priorizar as suas próprias ambições profissionais e todas as outras características essenciais ao rap e a qualquer outro meio equivalente. No meu caso particular não tenho muita razão de queixa. É verdade que uma mulher tem de provar três vezes mais que gosta de rap e não de rappers, que tem talento e que o seu mérito é indiscutível. Mas a partir do momento que chega o reconhecimento, é mais fácil, porque como somos poucas, temos mais visibilidade e atenção mediática.
SHOW DE EMICIDA NA CAPITAL
Quinta-feira (08/06), às 23h (abertura da casa: 21h30min). Classificação: 16 anos
Opinião (Rua José do Patrocínio, 834), em Porto Alegre
Ingressos: R$ 45 (com a doação de um quilo de alimento não perecível) a R$ 110
Pontos de venda sem taxa (somente em dinheiro): Youcom Bourbon Wallig. Venda com taxa (somente em dinheiro): Youcom – Shopping Praia de Belas, Iguatemi, Bourbon Ipiranga, BarraShoppingSul, Bourbon Novo Hamburgo e Canoas Shopping; Multisom – Andradas, 1.001 (centro de Porto Alegre) e Bourbon São Leopoldo. Online: no site blueticket.com.br/grupo/opiniao