Mais e mais tenho lido coisas como "todos os detalhes estavam perfeitos, da iluminação à música suave tocando ao fundo" ou "fomos recebidos com música suave" ou ainda "a comida estava deliciosa, a decoração perfeita, do arranjo dos talheres à música suave". Confesso: não sei como a expressão "música suave" passou a indicar o cúmulo da elegância, a exorbitância do cuidado com os pormenores. É verdadeiramente de tirar o fôlego.
Ou seja, "música suave" veio fazer companhia a outras expressões igualmente vazias e até um pouco ridículas como, bem, como o "é de tirar o fôlego" que usei há pouco ou "de encher os olhos" ou "aquele sabor especial" ou "aquilo é algo à parte" que frequentam os blogs de turismo ou de culinária. São expressões que o uso bem exagerado transformou em cacoetes. Pela frequência, parece que "música suave" vai pelo mesmo caminho.
Sei lá o que é uma música suave. Algo que não faça barulho? Que não incomode Que deve ser ignorado? Sim, deve ser isto. Há uma personagem de ópera italiana que, lá pelas tantas, canta: "Eu só entendo uma música, aquela que faz dançar".
Pois bem: talvez a melhor definição de "música suave" venha mesmo é de Roberto & Erasmo Carlos e sua Música Suave, canção de 1978 que está no mesmo álbum de Café da Manhã, A Primeira Vez e Lady Laura (e também de Força Estranha do Caetano). Safra das boas.
Num arranjo de big-band, Roberto como crooner evocando os salões dos anos 1940, lá vem: "Ainda bem que tocou / Essa música suave / Eu posso dançar com você / Como no passado". E por aí vai, o desejo à flor da pele, erotismo puro em colcheias e semicolcheias. É aí que "música suave" deixa de ser um texto oco ou mesmo uma ofensa. Ao contrário: esse álbum de 1978 constrói cenários ao redor e para além das canções, ligando uma a outra. Não é por nada que Música Suave transborda para Café da Manhã, logo em seguida. É óbvio – uma coisa levou à outra. Nesse caso, "música suave" não é a expressão vazia de quem não sabe o que dizer; é o mote para experiências reais e provavelmente inesquecíveis.