Berlim ganhou uma sala de concertos oval. Ora, quem mandou o arquiteto Frank Gehry fazer um esboço tipo novelo de lã e o maestro Daniel Barenboim se apaixonar por aquelas mal traçadas linhas? O arquiteto chegou a insistir com algumas ideias mais conformistas, mas nada feito. Como às vezes acontece em arquitetura, ficou valendo a primeira ideia, pronta para se transformar em música e seus acordes.
Uma sala oval é coisa nova ou pelo menos tão rara quanto o ovo de Colombo antes de Colombo. Não é para menos. Os problemas acústicos são formidáveis, quase um enigma para qualquer engenheiro acústico que se atreva a lidar com ecos imprevisíveis, reverberações fora do tempo ideal, ressonâncias acidentais. Oscar Niemeyer propunha problemas semelhantes aos seus engenheiros estruturais. No caso da sala de Berlim, foi o japonês Yasuhisa Toyota, com seu nome que inspira velocidade, quem resolveu todos os problemas – ao que dizem, com sucesso, não fosse ele um mestre da acústica.
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Em Berlim, ali perto da sala oval, há a sede de um banco: no saguão, o mesmo Frank Gehry plantou um auditório em formato de ovo amassado, uma intrusão desconcertante. Agora se vê que houve uma sequência linear de pensamento. Para a mesma cidade e, melhor, para a mesma vizinhança, ideias semelhantes e metamorfose de funções. Um ovo financeiro e um ovo musical. Por que não, se as duas estruturas funcionarem bem? Fica a lição: ninguém deve temer que salas de concertos sejam também declarações arquitetônicas.
A sala oval de Berlim leva o nome de Pierre Boulez, compositor falecido no ano passado, amigo do pianista e maestro Daniel Barenboim, o incentivador da sala recém inaugurada. Boulez foi um inovador e o seu nome ficou bem numa sala que pretende ser uma homenagem à paz – sempre buscada, raramente alcançada – entre os povos e entre as ideologias. Talvez por isso o ideia inicial de Gehry fosse tão atraente. Há nela a potencialidade das coisas que ainda estão por nascer e daquilo que recém se percebe ao longe. Bem ao longe.