Físico e cosmologista nascido em Verona, Carlo Rovelli é professor na Universidade Pittsburgh, nos Estados Unidos, e até pouco tempo era amplamente conhecido apenas entre outros cientistas, como nome fundamental no campo da física quântica. Há três anos, Rovelli se tornou um escritor best-seller, com seu livro Sete Breves Lições de Física, obra escrita para resumir, em linguagem acessível aos leigos, algumas das grandes questões que a física contemporânea enfrenta ao abordar a estrutura e o funcionamento do universo.
Na Itália natal de Rovelli, o livro vendeu milhares de exemplares. Também já foi traduzido para dezenas de idiomas – no Brasil, foi publicado em 2015 pela Objetiva, mesmo selo que lançou por aqui este ano seu novo livro, A Realidade Não É o que Parece.
Rovelli filia-se à tradição dos professores que acreditam que é preciso paixão de ambas as partes para que a transmissão de conhecimento seja profícua na sala de aula. Ao falar sobre ciência, seu tom é entusiasmado, suas referências não se restringem aos grandes teóricos da área. Para ele, bons professores são cada vez mais necessários – embora não sejam muitos, reforça – para ensinar ao que ele considera uma geração de adolescentes muito melhor do que a da época em que era estudante.
Rovelli é também o primeiro convidado da edição 2017 do Fronteiras do Pensamento. Vai abrir o ciclo de palestras no dia 15 de maio, às 19h45min, uma segunda-feira, no Salão de Atos da UFRGS.
Por e-mail, o italiano respondeu à seguinte entrevista, na qual falou de ensino, da persistência do pensamento anticientífico, e claro, de física.
Há um senso comum que associa a física a um mundo matemático rígido, mas em seu livro Sete Breves Lições de Física o senhor fala muito da ciência como um veículo da beleza. Por que a educação de base não consegue convencer as pessoas disso?
Há professores maravilhosos na escola que veem a beleza e percebem o fascínio da ciência, e os comunicam facilmente às mentes jovens. Mas não há tantos deles assim, infelizmente, e muitas vezes falta aos demais professores entusiasmo e paixão. E, por isso, as crianças perdem a melhor parte do estudo da física.
Em seu livro, o senhor fala de como um jovem Einstein, sem saber bem o que queria, passou um ano viajando. Também comenta que, ao contrário do que muitos pais acreditam, "quem não perde tempo não chega a lugar nenhum". Como a escola, construída sob padrões gerais, pode incentivar as mentes criativas que não se encaixam nas medições curriculares, principalmente numa era em que muito da vida criativa dos adolescentes é vivido fora da sala de aula, na internet?
Acho que a escola deveria respeitar os jovens. Deveria aceitar sua diversidade, suas preferências, seus sonhos. A escola não foi feita para "moldar" as crianças, mas para abrir o mundo para elas. O fato de que grande parte da vida criativa dos adolescentes é vivida fora da sala de aula é bom, na minha opinião. Hoje os jovens têm muito mais do que na minha geração: mais informações, mais ideias, mais diversidade. Isso é ótimo. A escola precisa aprender a se somar a isso, aprender a ajudar as mentes jovens a distinguir entre tudo isso o que é bom e o que é ruim, o que é inteligente e o que é estúpido.
Do que um estudante de física precisa?
De um professor apaixonado. Ou simplesmente de algo que acenda o fogo de sua paixão.
É comum muitos apocalípticos deplorarem a falta de curiosidade e a apatia dos estudantes jovens e aparentemente desinteressados. Em sua experiência de professor, o que pensa dos alunos de hoje em comparação com os do fim do século passado, por exemplo?
Eles são muito melhores hoje. São muito mais rápidos, inteligentes e conhecedores do mundo. Acho que parte da confusão a esse respeito advém do fato de que o acesso à educação vem aumentando há várias décadas, e muitas vezes os idosos comparam um pequeno grupo de estudantes selecionados do passado, provenientes de famílias cultas e ilustradas, com os alunos de hoje, que são mais numerosos. Assim, é claro que parecerá que os alunos hoje são piores. Mas acho que os melhores alunos de hoje são muito melhores do que os melhores alunos do passado, e o jovem mediano de hoje é mais instruído do que o jovem médio do passado.
Literatura e cinema transformaram buracos negros em possíveis portais para as distâncias do universo. O senhor diz em seu livro que neles reside "a Pedra de Rosetta" para entender o significado do tempo. O que sabemos sobre eles, afinal?
Os buracos negros, tanto quanto sabemos, definitivamente não são portais para cantos distantes do universo. Há muita coisa que já sabemos bem sobre buracos negros hoje, mas há também muito que não sabemos sobre eles. Duas coisas em particular que não entendemos: o que acontece no centro de um buraco negro, e o que acontece com um buraco negro no futuro distante. Assim, os buracos negros também são mistérios para decifrar. A razão de nossa confusão é que são necessárias três "línguas" diferentes para descrevê-las: a relatividade geral, a mecânica quântica e a termodinâmica, e ainda não somos capazes de conectar bem essas línguas. A Pedra de Rosetta é uma pedra com uma inscrição em três línguas: grega, latina e egípcia, e desempenhou um papel importante para decifrar a linguagem hieroglífica do Egito antigo e conectar o nosso conhecimento dessas línguas. Esperamos que os buracos negros possam desempenhar o mesmo papel para a física fundamental: nos ensinem a ligar as suas diferentes línguas.
O senhor fala muito da intuição em seu livro. Que papel ela desempenha no trabalho de um cientista?
Um papel importante, mas por si só ela não basta. A intuição sozinha não é suficiente: é preciso, então, o filtro da racionalidade rigorosa e o teste das experiências. Mas sem intuição estaríamos sempre presos e nunca daríamos nenhum passo à frente.
Seu livro se tornou um best-seller traduzido em dezenas de países, e seu nome, junto a outros como Brian Greene e Neil Degrasse Tyson, tornou-se conhecido pelo público além dos laboratórios. As pessoas estão mais curiosas sobre ciência?
Acho que há dois tipos de leitores de livros sobre ciência. Aqueles que já são apaixonados pela ciência e aqueles que estão simplesmente abrindo uma janela para a curiosidade e querem ver um pouco melhor o que é a ciência. Tento escrever para ambos.
Os Estados Unidos elegeram Donald Trump, e seu ministério foi povoado de pessoas que negam o aquecimento global ou que advogam o criacionismo como explicação para a origem do universo. Quais podem ser as consequências de o governante mais famoso do mundo se cercar de pessoas que claramente duvidam da ciência?
É a receita para um desastre. Não é a primeira vez que a humanidade faz coisas estúpidas para prejudicar a si mesma, e podemos estar fazendo o mesmo de novo agora. Felizmente não há um rei do mundo em Washington. Espero que os cidadãos de outros países importantes, como o Brasil, sejam sábios o suficiente para eleger líderes capazes de fazer escolhas razoáveis para a humanidade.
Aliás, a persistência do pensamento anticientífico é inegável, mesmo que haja muitos físicos e cientistas tentando comunicar suas descobertas. Para usar como pergunta um título de Michael Shermer: por que as pessoas acreditam em coisas estranhas?
Uma resposta simples seria "porque muitas pessoas são estúpidas", mas não acho que seja a resposta certa. Quando as pessoas acreditam em coisas que me parecem absurdas (e isso acontece muito frequentemente), acho que muitas vezes elas estão expressando necessidades reais e profundas e estruturando sua visão de mundo em consequência disso, usando uma linguagem que não faz sentido na minha própria cosmovisão. Mas se fizéssemos um verdadeiro esforço de compreensão mútua, talvez pudéssemos entender um ao outro, em vez de dizermos coisas incompreensíveis uns aos outros. Eis aqui um exemplo: quando o Papa Católico Pio XII disse publicamente que a teoria do Big Bang confirmava o mito católico de criação – o do Gênesis –, o grande cientista e padre católico Georges Lemaitre entrou imediatamente em contato com ele e o convenceu a não fazer mais esta comparação, com o argumento de que a criação como descrita na religião e o Big Bang pertencem a domínios diferentes e não devem ser confundidos. Lemaitre era sábio o bastante para ver que a religião se refere às coisas que acontecem dentro de cada um de nós, e o universo como um todo é compreendido com a cosmologia científica, não com os livros antigos.
Há alguns anos, Stephen Hawking provocou polêmica ao declarar que se investe demais nas ciências humanas, quando o importante seriam a matemática e a física. O senhor, em seu livro, cita a música de Beethoven e um poema de Lucrécio. O que pensa dessa declaração?
Discordo completamente desta afirmação de Stephen Hawking. Acho que é leviana e superficial. Ele não vê que não há contradição fundamental entre ciências duras e ciências humanas. Nós simplesmente usamos métodos diferentes para domínios diferentes. Seria tolice negligenciar as artes e as humanidades só porque a física é legal.
FÍSICA BEST-SELLER
Sete Breves Lições de Física foi o livro que tornou Carlo Rovelli um best-seller internacional – na Itália natal do autor, vendeu alegados 350 mil exemplares. É um livro curto, que faz jus a seu título, no qual Rovelli apresenta sete grandes questões que ocuparam a maior parte de sua carreira acadêmica. Ele apresenta em linhas gerais a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein – que, em suas palavras, é uma das "obra-primas absolutas, que nos emocionam intensamente", comparando-a ao Réquiem de Mozart e à Odisseia de Homero.
Essa, aliás, é uma pista do tom geral da obra. Rovelli fala de física com paixão, usando para apresentá-la conceitos que o leigo está mais acostumado a ver nos tratados de estética, como beleza e emoção. Sete Breves Lições de Física também faz um resumo da física quântica, das teorias sobre a arquitetura geral do universo, do que se sabe e se pesquisa em campos como física de partículas e o estudo dos buracos negros. Para ele, ali residem grandes mistérios a serem decifrados, alguns deles com potencial para talvez unificar teorias divergentes sobre como o Cosmos se estrutura.
FRONTEIRAS DO PENSAMENTO
> A edição 2017 do Fronteiras do Pensamento vai debater o que nos define como civilização e os conflitos culturais e ideológicos que nos dividem. Carlo Rovelli será o palestrante de abertura, às 19h45min do dia 15 de maio, no Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110).
> Os ingressos já estão à venda desde o dia último dia 22. O pacote para todas as conferências da temporada custa R$ 1.680 (parcelado em cinco vezes sem juros nos cartões). Os ingressos não são vendidos individualmente. Pacotes adquiridos até o dia 30 de abril garantem um bilhete extra para a quinta conferência da temporada, a de Thomas Piketty, no Auditório Araújo Vianna.
> Informações e vendas no site fronteiras.com e na Central de Relacionamento Fronteiras, no fone 4020.2050. Pontos de vendas na Livraria Bamboletras, no Instituto Ling e no StudioClio.
> Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento; parceria cultural PUCRS e Instituto CPFL; e empresas parceiras CMPC Celulose Riograndense, Souto Correa, Sulgás e Thyssenkrupp. Parceria institucional Fecomércio e Unicred, apoio institucional Embaixada da França e Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Universidade parceira UFRGS. Promoção Grupo RBS.