Na Faculdade de Arquitetura da UFRGS do início dos 1970 se vivia um conflito entre o ensino estrito, cheio de amarras, e algumas propostas inusitadas para demonstrar conceitos estruturais. O tropicalismo já tinha passado e o tempo era da dureza da ditadura militar. Apesar dos expurgos que tinham atingido a faculdade, ainda restava um pouco de iconoclastia que, na visão dos alunos, era só ali que ainda se vivia. Era pouco, mas era o que se tinha.
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Foi assim que um grupo de professores de uma dessas cadeiras bem técnicas resolveu propor um exercício de criação que tentasse demonstrar um desses princípios impenetráveis de engenharia utilizando música. Sim, precisamente isso: utilizando música. Isso numa faculdade de arquitetura que até bem pouco tinha hospedado festivais de música famosos naquele Brasil dos festivais de música que estouravam por todo o canto.
Muitos quase 50 anos depois, não lembro que cadeira técnica era essa e não lembro um nome sequer dos professores envolvidos. Mas lembro bem da música: Os Planetas, do inglês Gustav Holst. Lembro também de dois sentimentos opostos. Um, o de ver a música aceita num curso de arquitetura que tinha muito de árido. Outro, a indignação de descobrir que eu nunca tinha ouvido Os Planetas. Nem sabia do que se tratava.
Na minha soberba de estudante de música, que eu já era há tempos, eu deveria saber tudo e conhecer tudo. Só depois vim descobrindo que cada vez sei menos de música do que uma vez supus. Ali, com Os Planetas, descobri a revolta de confrontar minha própria ignorância. Hoje se toca essa peça de interpretação dos signos com alguma frequência e alguns trechos viraram até hino não oficial de cerimônias diplomáticas e festivais.
Naqueles 1970, no entanto, Os Planetas era música que só os ingleses conheciam. Além, é óbvio, desse algum professor de uma faculdade de arquitetura do sul do mundo que, de um só golpe, me ensinou duas coisas – que a arquitetura pode interagir com a música e que, drama dos dramas, nunca se sabe tudo.