Pegue um guri que nasceu na pobreza, nos estertores de uma ditadura militar, filho de pai violento e alvo constante de bullying na escola. Deixe que a televisão o eduque e substituta qualquer perspectiva por álcool e drogas. O resultado é João Gordo – Viva la vida tosca, recém-lançada biografia do apresentador e vocalista do Ratos de Porão.
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Escrito em parceria com o jornalista André Barcinski (autor de biografias da banda Sepultura e do cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão), o livro é o relato da transformação do viciado em TV e quadrinhos João Francisco Benedan no viciado em entorpecentes e cigarros João Gordo, sua vida dentro da incipiente cena punk paulistana, o desbunde internacional com o Ratos de Porão, experiências de quase-morte, toneladas de encrenca e tietagem de ídolos e uma espécie de redenção – ao seu estilo, claro.
Pode se decepcionar, no entanto, quem espera encontrar em Viva la vida tosca uma sequência de causos divertidos, como se deve supor pela figura bonachona e desbocada de Gordo que o Brasil conheceu comandando programas na MTV e dando entrevistas espirituosas em talk shows. Ao contrário: a narrativa em primeira pessoa coloca o leitor na fileira da frente do nascimento do punk no país pelo olhar melancólico e raivoso de um dos seus maiores personagens – e o punk, em seu estado puro, está longe de ser algo bonito de se ver.
A maioria das histórias contadas por Gordo são conhecidas de quem assistiu ao documentário Guidable – A verdadeira história do Ratos de Porão (2008). Mas se no filme os relatos de loucuras com drogas e álcool chegam a ser divertidas e até impactantes (no auge da loucura, ele aprendeu a fabricar crack), no livro acabam sendo entediantes. É um mal típico de biografias de roqueiros, que entram em um círculo infinito de pormenorizar suas doidices que em nada acrescentam ao leitor que, sim, já entendeu que o sujeito tinha um apetite voraz por autodestruição.
Viva la vida tosca traz ainda trechos de depoimentos de amigos, jornalistas e familiares de Gordo – como a própria mãe e o vocalista dos Inocentes, Clemente. Esses depoimentos ajudam a esclarecer um outro lado do vocalista, mais frágil e dócil, e também mostram que, sem uma ajudinha dos amigos, ele jamais teria chegado onde chegou. Quiçá estaria vivo. E viva a vida tosca.