Nosso cérebro é biologicamente programado para acreditar em essências. Esse processo é inevitável, já que o volume de informações que chega à mente humana é descomunal. Na hora de guardar o que realmente interessa, é preciso separar o que é dispensável do que é essencial. As essências também aparecem na comunicação. Se digo "adoro chocolate", estou me referindo à sensação que tenho ao colocar na boca um chocolate "essencial", uma imagem mental de todos os bons chocolates que comi na vida, e não uma barra específica, com 85% de cacau, sem adição de açúcar, que acho horrível, apesar de ser tão saudável. Platão defendia as essências, mas duvido que ele conhecesse chocolates dieteticamente corretos.
O maior perigo desse pensamento essencialista está na política. Vivemos no Brasil um momento conturbado, em que graves acusações cruzam os ares todos os dias. A agressão sofrida pelo repórter Caco Barcellos numa manifestação no Rio por conta dele ser "jornalista da Rede Globo" é um exemplo doloroso. Ver a Globo ou qualquer outra grande organização do setor de comunicação – RBS, Record, Grupo Folha, Bandeirantes, Abril, etc. – como uma essência moral, como uma empresa "do mal" ou "do bem", é ignorar as centenas (ou milhares) de profissionais que nelas trabalham, cada um deles capaz de ser competente ou incompetente, de direita ou de esquerda, honesto ou desonesto.
Vale o mesmo para os partidos políticos. A satanização do PT é, na verdade, a desqualificação de um partido que ainda têm políticos honestos e capazes de contribuir para a reconstrução do Brasil. Digo o mesmo para PMDB, PSDB, PPS, PP, PSOL, PCdoB e todos os outros. Inclusive o DEM! O pensamento não essencialista exige coragem e capacidade de diálogo entre opostos. O pior de todos os atalhos é considerar que os "políticos" e a "política" são essencialmente ruins. A política é a única maneira dos cidadãos participarem da vida pública. Sem ela, viveremos numa sociedade que, aí sim, estará mergulhada nas essências do mal: o fascismo e a ditadura. Na hora de xingar um político, diga seu nome e sobrenome. Xingar "os políticos" ou "a política" é tão natural quanto perigoso.