A culinária da porção norte/nordeste do Brasil sempre foi conhecida pelos sabores fortes. Mas o que essa gente andou comendo nos últimos anos não foi caldinho de sururu e pato no tucupi, não. Foi chumbo, mesmo.
É essa a conclusão imediata que chego ao ouvir os novos discos das bandas The Baggios (Sergipe) e Blocked Bones (Pará). Ambas seguem o formato minimalista popularizados pelos White Stripes na virada do século, com um núcleo resumido a guitarra e bateria. Também as aproximam o apreço pelo lado mais sombrio e melancólico do rock.
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PLAYLIST: o maior salto da Fresno
Mais antiga, a The Baggios é Julio Andrade (guitarra e voz) e Gabriel Carvalho (bateria) e está em seu terceiro disco, Brutown. Depois de um início cru, quando soava como uma cruza de Led Zeppelin com Raul Seixas, a dupla complica o meio de campo, acrescentando referências do manguebeat (como em Saruê, que tem a participação de Jorge du Peixe, da Nação Zumbi) e noise (na voz de Emmily Barreto, da banda Far From Alaska). O grito de liberdade Vivo pra mim é puro Grand Funk Railroad com sotaque brasileiro, enquanto Sangue e lama aposta em um blues rock cheio de balanço vintage.
Brutown traz também a participação da dupla dos Autoramas, Erika Martins e Gabriel Thomaz (Desapracatado) e Fernando Catatau, da Cidadão Instigado (na balada Soledad). São colaborações pontuais e bem escolhidas, que ajudam a dupla a expandir seu horizonte musical sem perder a essência.
Mais jovem e formada em Belém do Pará por Fill Alencar (vocal e guitarra) e João Lemos (vocal e bateria), a Blocked Bones se aproxima mais do Royal Blood. Seu disco de estreia, Animals, foi produzido pelo mestre gaúcho Iuri Freiberger e é um disco de garage rock quando a luz da garagem está apagada. Suas faixas, densas, não deixam passar uma única fresta de luminosidade.
Não que Animals seja um álbum de uma nota só. The trees, por exemplo, reverbera uma psicodelia moderninha na linha de Tame Impala; Silent Mind e Leviathan diminuem a rotação para um space rock sessentista; Hey you joga o clima pra cima bebendo no pós-grunge; Kids, uma das melhores, encerra com um dedilhado e pandeirinho meia-lua que poderia estar no III do Zeppelin.
Não há dúvida: se você está procurando por peso e melodia, a bússola hoje aponta para o norte.
LANÇAMENTOS
MEDUSA
Creepypasta
Matheus Borges é de Porto Alegre. Bruno Ribeiro mora em Campina Grande, na Paraíba. Via e-mail, eles montaram o Creepypasta, projeto cuja descrição é: "violão com batidas techno, sintetizadores com guitarra elétrica, uns batuques de macumba com vozes desencarnadas". Fofo, diz aí? Entre as faixas, estão Orgias, Caralhada, Barbarella e Palmer Eldritch (homenagem ao clássico Os três estigmas de Palmer Eldritch, de Philip K. Dick). A intenção é experimentar e perturbar (com êxito alcançado), embora não seja impossível chacoalhar o esqueleto (rá!) ouvindo Rabbit Lost Control ou Rua XV, por exemplo. (Eletrônico, independente, 12 faixas, disponível em crppst.bandcamp.com)
VOLUME 11
Vários
O subterrâneo não tem mapa, a gente sabe disso. Só se movimenta por ele quem sabe de suas rotas não sinalizada. O que faz de Volume 11 uma espécie de GPS do underground porto-alegrense. Organizado pelo Dub Studio, o disco é uma amostra precisa do quão rico, varido e ruidoso é o rock alternativo feito no Rio Grande do Sul, especialmente aquele produzido entre o final dos anos 1990 até meados dos 2000 – donde brotaram bandas excelentes, como Walverdes, Space Rave, Loomer, Dating Robots e Lautmusik. Sem esquecer do seminal combo punk Replicantes. O lançamento da bolachona vai ser nesta sexta-feira, no Ocidente, com os 11 participantes tocano no Ocidente (João Telles esquina com Osvaldo Aranha). Os ingressos custam R$ 15 (Rock, Dub Studio, 11 faixas, R$ 50).
LADRONES DE RIFFS
Ornitorrincos
Quase todo músico passa por isso. Depois de dar à luz o riff perfeito, vem a dúvida: isso já não existe? Cansados de desafiar a própria memória, os Ornitorrincos decidiram roubar na cara dura algumas de suas bandas preferidas para gravar o EP Ladrones de riffs. São três faixas que os entendidos poderão facilmente reconhecer de onde saíram: Brand Flag, (Violencia no es) Atitude e a sensacional Igrejinha Über Alles. Um trecho da canção: "Bienvenido a la feria del libro / promoción de Mein Kampf a R$ 30 / en la tienda integralista". A letra em espanhol é marca antiga dos Ornitorrincos, que vira e mexe está circulando pela bacia do Prata. (Punk, independente, 3 faixas, disponível em ornitorrincos.bandcamp.com)