Em 2015 escrevi duas colunas que tinham o sentimento religioso como tema. A primeira foi Em defesa da religião, na esteira do fervor anti-islâmico provocado pelo ataque terrorista à boate Bataclan, em Paris. Afirmei que perseguir terroristas é urgente e necessário, enquanto discriminar pessoas por sua fé é injusto e antidemocrático. A segunda foi Dawkins e deus, aproveitando a vinda do grande biólogo a Porto Alegre. Escrevi que Dawkins está errado ao classificar, a partir de um viés redutor, a ideia de Deus (e do sentimento místico de modo geral) como um imenso erro da espécie humana. Mitos, divindades e cultos baseados na transcendência fazem parte de nossa cultura e têm que ser respeitados.
Lembro dessas colunas para que você, caro leitor, que talvez não as conheça, fique melhor informado sobre minha posição sobre um tema sempre sujeito a simplificações perigosas. Assim, depois de defender o sentimento religioso, posso afirmar que a maior de todas as ameaças à democracia brasileira é o aparelhamento dos partidos políticos por supostos religiosos (na verdade, fundamentalistas picaretas que nada entendem de espiritualidade), que espalham seu obscurantismo, seus preconceitos, seu moralismo de araque, seu despreparo cultural e sua indigência mental através do espaço de propaganda eleitoral e pelos muitos caminhos da internet.
O Estado brasileiro é laico e a palavra "pecado" não está na nossa Constituição. Ninguém tem o direito de, a partir de uma interpretação pessoal de dogma religioso, discriminar cidadãos e cidadãs por suas preferências sexuais. Muito menos pela cor da pele, da alma ou da roupa íntima. Padres, pastores, rabinos, curandeiros, xamãs, sacerdotisas, bruxos e operadores de tabuleiros ouija podem pedir votos, mas não têm o direito de afrontar a Constituição e pregar abertamente o fim de direitos duramente conquistados pelas minorias, apresentando-as como transgressoras de alguma "fé".
Tenho fé que os eleitores brasileiros consigam identificar esses falsos profetas – a tarefa é fácil: eles estão sempre usando as palavras "deus" e "pecado" em suas falas – e os mantenham longe de qualquer cargo conquistado pelo voto. A democracia agradece.