Aquarela do Brasil numa hora dessas? Entre ufanismos esportivos e precipícios políticos, essa música tem voltado com insistência à memória, como algo que não se consegue tirar do ouvido mesmo nas situações mais impróprias. Essa canção de Ary Barroso, com seus quase 80 anos, vem de um tempo de outra gangorra de emoções, entre o endurecimento do regime e o teatro de revista, em 1939. É música de exageros e o seu refrão insistente de "Brasil! Brasil!" nos simboliza para o ouvinte estrangeiro – essa canção é, em resumo, o "Brazil".
Nas últimas semanas, Aquarela do Brasil tem sido cantada quase que como nunca. Dias atrás, Placido Domingo esteve no Brasil para cantar no meio do Rio Negro, uma ocasião bem pouco vista e ainda menos ouvida. Melhor assim, para poupar a vergonha alheia. E lá estava a Aquarela, cantada a plenos pulmões como acontece nessas ocasiões. Talvez no cenário mais apropriado, no meio daquela exuberância de verde, sob uma imaginária merencória luz da lua.
A Aquarela não é, nem de longe, a melhor canção de Ary Barroso, mas é a mais grandiloquente na junção de letra e música. Se tornou inesquecível pelas imagens improváveis ("Oh, esse coqueiro que dá coco"), os personagens inusitados (o mulato inzoneiro, a morena sestrosa), o nacionalismo que não faz feio num 7 de setembro ("Brasil, terra boa e gostosa" ou "Esse Brasil lindo e trigueiro" ou mesmo “Terra de samba e pandeiro” – um primor de reducionismo).
Imagino que existam duas maneiras de encarar a Aquarela: ou enfrentar o seu ufanismo pelo valor de face ou tratar a coisa com reverência respeitosa e distante. Foi essa a via de Tom Jobim em 1970, naquela que é a melhor reinvenção da Aquarela. Sim, a sonoridade jobiniana é datada e mostra os seus 46 anos.Sim, a letra está aos pedaços. Mas Tom toma o tempo que lhe parece necessário – o arranjo dura para sempre e ficamos a ouvir a música querendo ainda mais. Há algum elogio melhor para uma canção que sempre parece difícil de resgatar da prisão da breguice?