O ano é 2005. Em seu segundo disco, a Cachorro Grande dizia que, para onde a banda ia, não precisava de dinheiro, porque era alegria o tempo inteiro. Não é coincidência que, onze anos depois, no segundo disco de sua nova fase, a mesma banda diga que "pra onde você vai, de lá já voltei. Aquilo que restou, pra mim já morreu".
O recado está em Tarântula, faixa de abertura de Electromod, recém-lançado novo disco da Cachorro Grande que sedimenta (ou dá continuidade?) as mudanças iniciadas em Costa do Marfim (2014). Auxiliados novamente pelo sexto cachorro – o produtor Edu K –, a matilha deixa em definitivo a cartilha de Chuck Berry para se dedicar à experimentação e ao estudo da fusão do rock com a música eletrônica. E não estamos falando de um blip-blip aqui e um sintetizadorzinho tímido acolá.
– Pra mim, loucura pouca é bobagem – resume o vocalista Beto Bruno, em entrevista por telefone. – Se for para abrir uma porta, tem que escancarar. E foi o que a gente fez com o Costa do Marfim, quando prometemos pra nós mesmos que a partir dali a gente não ia voltar atrás.
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Ouvir Electromod é, em grande parte, testemunhar o raro momento em que uma banda que, apesar de tão identificada com os ditames do rock, se distancia do gênero, fazendo justamente aquilo que não é esperado: rebelar-se, inclusive contra si mesma, sua história e tudo o que a levou aonde está. Essa briga entre o velho e o novo está inclusive na letra de Eu sei que vai feder: "Você veio aqui melar meus lances, quem convidou você? Volte já para o seu lugar, não quero mais me incomodar".
Mas a Cachorro está em paz com sua nova pelagem. Na maior parte dos momentos, as faixas de Electromod balançam entre Chemical Brothers, Primal Scream e Gorillaz – bandas que, cada uma a sua maneira e em seu tempo, chafurdaram na eletronice sem abrir mão do espírito do rock em sua faceta mais mais obscura e desesperadora. Pandora, que bem poderia ser trilha de alguma rave enfiada no meio do mato nos anos 1990, apresenta texturas ásperas como um muro chapiscado, enquanto Arpoador aposta em batidas tétricas para criar um ambiente nublado e melancólico.
Ouça:
Seguindo os trilhos de Costa do Marfim, portanto, Electromod não é um disco fácil ou para ouvidos acostumados ao inócuo pop das paradas de sucesso, característica que, longe de assustar, agrada a Beto Bruno: – Gosto muito do estranhamento inicial que o disco causa, porque ele te faz ouvir mais vezes. Para uma banda que almeja ter uma carreira longa, não dá para ficar lançando discos comerciais que são digeridos de uma hora pra outra. Este tem que ir comendo pelas beiradas.
É bom preparar o estômago.