Em meio à anarquia gerencial e por trás da máscara do humor, o tabloide carioca O Pasquim ergueu-se como um simbólico e, na medida do possível, sério porta-voz da resistência cultural no Brasil sob a ditadura militar. A mistura de escracho e olhar crítico desconcertou censores e encantou a fiel legião de leitores que se formou a partir de junho de 1969 – em meses, a publicação semanal alcançaria a surpreendente tiragem de 250 mil exemplares.
O jornal consagrou entre seus ingredientes mais saborosos as entrevistas com artistas, políticos e personalidades. Muitas dessas conversas figuram como obras de antologia da imprensa brasileira, como a de Leila Diniz, que será lembrada na estreia da série As grandes entrevistas do Pasquim, nesta segunda-feira, às 20h, no Canal Brasil.
O bate-papo no qual a atriz fluminense, então com 24 anos, falou abertamente de sexo, política, trabalho e amor livre foi publicado na edição 22, em novembro de 1969. No auge da fama, Leila destacava-se com seu comportamento empoderado, libertário e independente. A entrevista, pontuada por palavrões, teve o efeito de uma bomba junto a segmentos mais conservadores e catapultou a fama do Pasquim.
Com direção do documentarista André Weller, o programa com 13 episódios tem como proposta reproduzir fielmente o texto das entrevistas na encenação com atores. Leila, que morreu em um acidente aéreo em 1972, é interpretada por Janaína Diniz Guerra, sua filha com o cineasta Ruy Guerra. Bruce Gomlevsky, Augusto Madeira, Daniel Braga e Márcio Vito assumem as personas da chamada patota do Pasquim, formada por craques do jornalismo e do humor – no primeiro programa, eles encarnam, respectivamente, Tarso de Castro, Jaguar, Luiz Carlos Maciel e Sérgio Cabral, os interlocutores de Leila naquela ocasião.
– Sempre fui um aficionado pelo Pasquim – diz Weller, de 44 anos. – A ideia do programa nasceu quando eu reli a entrevista com o (cantor) Agnaldo Timóteo, na qual ele falou mal de todo mundo, de Caetano Veloso, Chico Buarque e Tom Jobim. Ele incorporou o papel de um bufão. Vi ali uma dramaticidade a ser extraída.
Os programas contarão em paralelo a história do Pasquim, publicado até 1991, contextualizando com depoimentos atuais elementos destacados nas conversas. Neste primeiro episódio assistido por ZH, o conjunto funciona muito bem. A semelhança física de Janaína com sua mãe é um trunfo, e os intérpretes compensam o distanciamento físico incorporando a verve despudorada dos entrevistadores originais animados por muito uísque.
– Buscamos os intérpretes dos personagens mais pela afinidade afetiva do que pela semelhança física. Por exemplo, o Fernando Gabeira falou em 1978, ainda no exílio. Foi uma conversa densa sobre temas que pela primeira vez eram abordados abertamente na imprensa brasileira, como a tortura. Precisava de um ator denso como o Matheus Nachtergaele.
Weller explica que o critério de seleção das entrevistas, entre as mais de mil publicadas, levou em conta a diversidade de perfis:
– Entres as 13, temos mulheres, ex-presidentes do Brasil e um jogador de futebol diferenciado. São todas conversas muito representativas de momentos importantes que o Brasil vivia. A de Lula (em 1979), foi a primeira do então líder sindical a alcançar repercussão nacional. Da entrevista com o (senador alagoano) Teotônio Vilela, concedida ao Henfil (em 1983), nasceu a expressão Diretas Já, que embalou processo de redemocratização do país.
A seguir
Depois de Leila Diniz (vivida por Janaína Diniz Guerra), serão apresentadas conversas com Lula (Julio Adrião, dia 20), Chico Buarque (Marcos Sacramento, dia 27), Jânio Quadros (Paulo César Pereio, 4 de julho), Agnaldo Timóteo (Sérgio Loroza, 11 de julho), Luiz Carlos Prestes (Nelson Xavier, 18 de julho), Elke Maravilha (Michel Melamed, 25 de julho), Teotônio Vilela (Everaldo Pontes, 1º de agosto), Tostão (Gustavo Falcão, 8 de agosto), Dina Sfat (Ana Kutner, 15 de agosto), Fernando Gabeira (Matheus Nachtergaele, 22 de agosto), Cazuza (Thiago Mendonça, 29 de agosto ), Madame Satã (Tony Tornado, 5 de setembro).
Exibições
Sempre às segundas-feiras (às 20h), com reprises terças (às 16h30min) e domingos (11h).
Páginas da resistência
A ação e a importância da imprensa alternativa no Brasil é tema também de Resistir é preciso, série que estreou na quinta-feira passada no canal por assinatura History. Com exibição semanal às 18h, os 10 programas, com narração de Othon Bastos, lembram a trajetória de publicações como O Pasquim, a revista Pif Paf, criada por Millôr Fernandes logo após o golpe militar de 1964, e o Lampião da Esquina, primeiro jornal gay do país.