Há mostras de cinema importantes pelas novidades que apresentam. Há outras que abraçam a memória afetiva dos cinéfilos. E há aquelas que cumprem os dois papéis. É o caso de Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami, que entre esta terça-feira e a segunda da semana que vem apresentará, em sessões com entrada franca, sete longas-metragens de um dos maiores cineastas do mundo.
Trata-se do recorte de um amplo projeto que teve lugar, entre abril e maio, nas sedes do Centro Cultural Banco do Brasil de Rio, Brasília e São Paulo. A curadoria original de Fábio Savino foi adaptada pelos programadores de três cinemas de Porto Alegre – a Sala Redenção, a P.F. Gastal e a Cinemateca Capitólio. Entre raridades como O relatório (1977), que já foi tido como perdido, e obras-primas como Close-up (1990), foram selecionados os títulos da consagração internacional do diretor iraniano (Gosto de cereja, de 1997, entre estes) e seu mais recente longa, Um alguém apaixonado (2012), lançado em home vídeo no Brasil mas até então inédito nos cinemas da capital gaúcha.
É claro que poderia haver mais – os pouco vistos filmes dos anos 1970 e Onde fica a casa do meu amigo? (1987), entre outros. Mas a maratona será puxada: nenhuma das sete produções terá mais do que duas exibições no total até segunda-feira – Close-up, por exemplo, só passa às 16h desta terça, na Sala Redenção, espaço que na mesma noite vai sediar a primeira das duas sessões comentadas programadas para a mostra (leia mais abaixo).
Kiarostami tem 75 anos e quase cinco décadas de carreira, mas países como o Brasil demoraram a descobri-lo. Até hoje, depois de mais de 40 filmes (a metade, aproximadamente, formada por longas), é frequentemente descrito como enigmático – seu trabalho não tem a marca da militância contra o regime dos aiatolás, que persegue artistas sistematicamente no Irã, e nem carrega a pecha do exotismo que acompanha alguns de seus conterrâneos.
As paisagens e as relações sociais em seu país são observadas com uma delicadeza rara, e o fato de exercitar a todo instante a metalinguagem (Através das oliveiras, de 1994, encena os bastidores do anterior E a vida continua, de 1992) costuma tirar o chão do espectador, provocando-o a refletir sobre ficção e realidade de uma forma absolutamente original.
Os "ocidentalizados" Cópia fiel (2010), rodado na Itália, e Um alguém apaixonado (2012), no Japão, talvez sejam as portas de entrada mais óbvias para a sua obra. Mas ele fez muito mais – e ainda melhor – antes. Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami é a oportunidade para tirar a prova.
Os filmes (e suas sessões)
O RELATÓRIO
Este filme de 1977, sobre a crise de um casal iraniano, é uma raridade – já chegou a ser dado como perdido. Terá sessões na sexta-feira, às 20h, na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro (com comentários da crítica e professora Ivonete Pinto) e segunda, às 14h, na Sala Redenção.
CLOSE-UP
Obra-prima desconcertante que mistura ficção e documentário ao reencenar julgamento de homem acusado de se passar pelo cineasta Mohsen Makhmalbaf para enganar uma família rica. O filme, que foi lançado em 1990, terá sessão única às 16h desta terça-feira na Sala Redenção (campus central da UFRGS).
ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS
Outra obra-prima de gênero híbrido, este filme lançado em 1994 tem trama situada nos bastidores de uma produção cinematográfica. Passa às 20h de quarta-feira e às 16h de sábado na Cinemateca Capitólio (Avenida Borges de Medeiros, esquina com a Rua Demétrio Ribeiro).
GOSTO DE CEREJA
Filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1997. A instigante história é a de um homem que procura alguém para atender ao seu último desejo. Sessões domingo, às 19h, e segunda, às 16h, na Sala Redenção.
O VENTO NOS LEVARÁ
Premiado com três troféus no Festival de Veneza de 1999, este drama mostra a inesquecível viagem de um jornalista que deseja registrar os tradicionais ritos funerais de uma comunidade iraniana. O filme passa às 16h de domingo e às 19h de segunda na Sala Redenção.
DEZ
Em um de seus filmes mais instigantes (lançado em 2002), Kiarostami discute a condição da mulher no Irã em uma trama que registra 10 conversas dentro de um táxi. Sessões às 20h de quinta e às 18h de sábado na Cinemateca Capitólio.
UM ALGUÉM APAIXONADO
O longa mais recente de Abbas Kiarostami volta a discutir realidade e simulacro (tema de seu filme anterior, Cópia fiel, lançado dois anos antes) ao narrar um encontro de uma jovem prostituta com um veterano professor. Exibições às 19h desta terça-feira, na Sala Redenção (seguida de debate com os programadores Leonardo Bomfim, da Cinemateca Capitólio e da P.F. Gastal, e Tânia Cardoso, da Sala Redenção), e às 20h de sábado, no Capitólio.