O anarquismo é ótimo, mas os anarquistas são insuportáveis. Essa frase sintetizou, por um bom tempo, meu sentimento – compartilhado por alguns amigos – sobre o movimento político-existencial que, antes de discutir a configuração do poder estatal, defende a eliminação do Estado e a organização libertária dos indivíduos, sem um centro de decisões definido, o que força cada um a fundar, de forma radicalmente livre, seu espaço de convivência com o outro. O professor Dacanal ensina que o termo anarquismo vem do grego e significa “sem princípios”, ou “sem normas”. É um bom começo.
O que É Anarquismo, livro de Caio Tulio Costa, foi a porta de entrada para muitos candidatos a anarquistas no início dos anos 1980. Os mais entusiasmados depois foram ler Bakunin e Kropotkin. Os mais pragmáticos acabaram voltando para o trotskismo, bem mais eficiente para vencer disputas de diretórios estudantis. Meu autor anarquista favorito (dica do Moah Sousa) é o francês Daniel Guérin, que escreveu Um Ensaio sobre a Revolução Sexual, em que as questões políticas e sexuais são entrelaçadas. Boa leitura para Bolsonaro e seus seguidores.
Quando o anarquismo parecia definitivamente esquecido, apareceram os anarco-punks nas manifestações de rua em 2013, às vezes com aquelas máscaras do V de Vingança, de Alan Moore e David Lloyd. Tem sentido, já que os manifestantes declaravam estar longe dos partidos políticos e atacavam “o sistema”, seus princípios e suas normas. A frase que abre esta coluna, no entanto, mostrou ter mais sentido ainda: pelo menos alguns dos supostos anarco-punks eram simpatizantes do nazismo e racistas bem tradicionais.
Eu tenho uma experiência positiva de anarquismo: durante mais de 20 anos, participei de uma banda punk chamada Os Replicantes, que nunca teve líder, nunca enfrentou disputas pelo poder e sempre respeitou os indivíduos que a formavam. Para isso, ninguém precisou ler Bakunin, nem usar máscaras ameaçadoras. Bastava dizer honestamente o que queria e ouvir com atenção o que os outros queriam. Os inevitáveis conflitos eram resolvidos com a mais poderosa das armas: o diálogo. Em casos extremos, usávamos um bordão bacana: “Anarquia é utopia, faça uma todo dia”. Eu garanto que funciona.