Muitos compositores prefeririam não chamar atenção para uma pilha de músicas de sua autoria rejeitadas por colegas intérpretes. Não é o caso de Sia, que, após a explosão de 1000 Forms of Fear – o álbum de 2014 que mostrou ao mundo sua poderosa voz no refrão de Chandelier –, calca seu mais novo trabalho, This Is Acting, nessas canções, escritas por ela e refugadas por artistas como Adele, Rihanna e Beyoncé.
Aos 40 anos, a australiana Sia já atravessou mais fases em sua carreira do que a maior parte de suas contemporâneas juntas. Quando Chandelier, considerada uma das baladas mais comoventes do pop da última década, tornou-a conhecida mundialmente, ela já havia sido líder da banda de jazz-fusion Crisp, vocalista do grupo de trip-hop Zero 7 e mantinha uma carreira discreta como artista solo, cujo maior trunfo havia sido emplacar a canção Breathe Me no último episódio do seriado Six Feet Under.
Assim, quando Chandelier decolou, crítica e público mostraram certa empolgação em ver um relativo azarão tomar a ponta da música pop, indústria tradicionalmente sexista e etarista, sem muita preocupação em seguir moldes. Explica-se: nem um pouco afeita a apresentações ao vivo, Sia, que ostenta uma longa franja que oculta a maior parte de seu rosto, promoveu 1000 Forms of Fear com a ajuda das perfomances da bailarina mirim Maddie Zigler, tanto nos videoclipes do álbum quanto nas muitas aparições em programas de TV em que cantava geralmente virada para uma parede, dando as costas para o público.
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Mas, mesmo com a atmosfera de empolgação e a história interessante por trás de sua concepção, This Is Acting, seu sétimo álbum, tem cara de blockbuster. O disco tem, sim, o mérito de não parecer uma coleção de demos ou B-Sides. E sua premissa chega a ser um interessante comentário da intersecção entre arte e fama, feito por uma artista que recentemente atingiu grande reconhecimento. Entretanto, parece que a vibração confessional de 1000 Forms of Fear, tão destacada à época de seu lançamento, some entre as composições rejeitadas pelos outros.
Vocais continuam arrebatadores
O novo álbum, porém, está longe de passar batido. Sia continua com uma voz arrebatadora, capaz, de um compasso para o outro, de apertar o coração e convidar para dançar. Isso se percebe no refrão rouco, entrecortado, de Alive, e nas viradas de tom em Broken Glass. Produzida pelo rapper Kanye West, Reaper chega a ser um pouco monótona (Rihanna, a artista à qual a canção se destinava, daria o toque necessário para torná-la um hit), mas é logo compensada pela dançante Cheap Thrill.
Se é inevitável em alguns momentos que, de fato, outros artistas se apropriariam melhor das canções de This Is Acting, a festiva e irreverente Sweet Design mostra a ironia um pouco soturna mesclada a uma batida que agita qualquer pista de dança – uma faixa que Sia domina e faz sua. E, ao final de This Is Acting, é isso mesmo que se espera dela: que fique com o melhor de seu trabalho para si.
This Is Acting
De Sia
Pop, 12 faixas, Sony, R$ 29 (CD, em média) e disponível nas plataformas de streaming.