Conforme a fama vai crescendo, cresce também o mistério que envolve a escritora italiana que usa o pseudônimo Elena Ferrante, cuja tetralogia de romances napolitanos sobre a amizade de duas mulheres ao longo da vida se tornou um fenômeno global.
Descobrir o verdadeiro nome de Elena, nunca identificada, tornou- se o jogo de adivinha favorito do mundo literário. Recentemente, o principal jornal italiano, o Corriere della Sera, divulgou a última reviravolta: Elena Ferrante pode ser uma professora de Nápoles chamada Marcella Marmo.
Sua editora, a Edizioni E/ O, em Roma, rapidamente desmentiu a reportagem, como fez com todas as outras tentativas de revelar sua identidade ao longo dos anos.
– Não faz sentido – afirma Sandra Ozzola Ferri, que dirige a editora junto com seu marido.
Marcella, professora de História Contemporânea na Universidade Federico II de Nápoles, também negou a afirmação: – Não sou Elena Ferrante.
Marcella havia respondido a um artigo do suplemento literário do Corriere della Sera e a um vídeo que o acompanha, no qual Marco Santagata, escritor e professor universitário, afirmou que Elena Ferrante se encaixa em seu perfil.
Ele baseou sua análise em uma leitura atenta de partes de um dos romances de Elena Ferrante ocorridas na década de 1960, em Pisa, quando uma das protagonistas do livro, Elena Greco, frequenta a prestigiada Scuola Normale. Santagata e Marcella estudaram na Normale nos anos 1960.
– Criei um perfil, não disse que era ela – declara Santagata, acrescentando que nunca conheceu ou manteve contato com Marcella.
Ele contou ter notado que alguns nomes de ruas de Pisa mencionados nos livros haviam sido mudados depois de 1968, sugerindo que a escritora deve ter deixado Pisa antes disso.
Examinando os anuários da Scuola Normale, descobriu que ela era uma das poucas napolitanas em Pisa, em meados da década de 1960, que se especializou em história italiana contemporânea, pano de fundo da série de Elena.
– Fiz um trabalho filológico, como se estivesse estudando a atribuição de um texto antigo, mesmo sendo algo moderno – acrescenta Santagata, filólogo por formação e especialista em Petrarca e Dante que leciona na Universidade de Pisa.
Elena Ferrante usa um pseudônimo desde seu primeiro romance, Um Estranho Amor, lançado na Itália em 1992. A única informação sobre ela é que nasceu em Nápoles.
Nos últimos anos, deu entrevistas sempre por e- mail.
Publicada entre 2010 e 2014, a Série Napolitana de Elena – A Amiga Genial, A História do Novo Sobrenome, A História de Quem Vai e de Quem Fica e História da Menina Perdida – levou a escritora da obscuridade à fama internacional, desde que o primeiro foi traduzido para o inglês, em 2012.
Marcella, de 69 anos, diz que leu apenas A Amiga Genial e gostou.
Confirmou ter estudado História na Scuola Normale em Pisa, de 1964, até quando decidiu voltar para sua cidade natal, Nápoles, no final de outubro de 1966.
Ela fazia parte do movimento de centro- esquerda Nuova Resistenza, fundado pelo escritor antifascista e artista plástico Carlo Levi, que escreveu Cristo Parou em Eboli – foi casada durante décadas com o sobrinho dele, Guido Sacerdoti. A vida e os interesses políticos e intelectuais de Marcella – o crime organizado napolitano, a história do capitalismo, as classes sociais italianas e a industrialização no sul da Itália – também são temas centrais da Série Napolitana.
Ela falou rápida e energicamente sobre uma vasta gama de tópicos e parecia se divertir respondendo às perguntas:
– Todos nós sempre temos mais de uma identidade. Sou napolitana, italiana, mulher, professora, europeia e também cidadã do mundo.
Santagata admite:
– Não é porque a protagonista frequentou a Normale que a escritora tem que ser de lá. Se bem que, quando li o livro, me pareceu que a autora tinha mesmo estudado na escola.
Ele disse ter embarcado na análise depois de passar algum tempo na companhia – ou melhor, à sombra – de Elena Ferrante, em 2015, quando seu livro Una Donna Innamorata e História da Menina Perdida, de Elena, estavam entre os cinco finalistas do Prêmio Strega, uma das maiores distinções literárias da Itália.
Ambos perderam para La Ferocia, de Nicola Lagioia.
Primeira anônima indicada ao Man Booker Prize
Elena Ferrante é a primeira autora cuja identidade é completamente desconhecida do público a ser finalista do Man Booker Prize International, cuja lista foi divulgada no último dia 13.
A tradução de A História da Menina Perdida (livro lançado em italiano em 2014 e traduzido em 2015), assinada pela norte- americana Ann Goldstein, está entre as seis indicadas para o prêmio, que destaca a melhor tradução para o inglês de autores internacionais.
Com características cinematográficas, os romances assinados por Elena Ferrante acompanham a amizade de duas amigas de infância, Elena e Lila, em meio à miséria do pós- guerra em Nápoles, passando pelas mudanças políticas e sociais que varreram a Itália nos anos 1960 e 1970 até os dias atuais.
Embora já tenha nove livros lançados – entre romances e correspondência –, apenas dois foram traduzidos para o português: História do Novo Sobrenome, lançado no início deste mês, e A Amiga Genial, lançado em maio de 2015 – ambos pela Biblioteca Azul.
A tetralogia conta com mais dois volumes (A História de Quem Vai e de Quem Fica e A História da Menina Perdida), ainda não lançados no Brasil.
Na esteira do sucesso dos romances e da curiosidade quanto à identidade da autora, uma série de 32 capítulos baseada nos quatro romances está em produção na Itália, com roteiro de Francesco Piccolo (de filmes como O Nome do Filho e Habemus Papam).