Conhecer os irredutíveis gauleses que tocaram o terror no Império Romano lá em 50 a.C ajuda a tornar Asterix e o Domínio dos Deuses um programa ainda mais divertido. Mas a animação francesa em cartaz nos cinemas tem qualidades para agradar pequenos e adultos não tão familiarizados com o universo dos carismáticos personagens, que vivem em tempos ancestrais situações e aventuras sintonizadas com o mundo contemporâneo.
Apresentados em 1959 por Albert Uderzo, hoje com 88 anos, e René Goscinny (1926 – 1977), o baixinho Asterix e sua turma de guerreiros bigodudos ganharam o próprio álbum em quadrinhos a partir de 1961 e tornaram-se patrimônio cultural da França – em 2015, foi lançada a mais recente história, O Papiro de César, 36° volume da série regular, agora sob a criação de Jean-Yves Ferri e Didier Conrad.
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Asterix e o Domínio do Deuses adapta a HQ homônima de 1971. Na trama, Júlio César, o imperador de Roma, bola mais um expediente para acabar com a tenaz resistência da aldeia gaulesa que não se dobra à conquista expansionista do invasor graças à poção mágica do druida Panoramix que torna seus habitantes fortes e invencíveis – o grandalhão Obelix nem precisa do elixir para surrar centuriões e legionários, seu esporte favorito, pois a força descomunal lhe é vitalícia desde que caiu num caldeirão da poção quando bebê.
Júlio César decide cercar os "bárbaros" com a civilização, construindo em torno deles edifícios a serem habitados por romanos. Vende a ideia como se anunciam hoje os refúgios em condomínios: segurança, conforto e contato com a natureza a "apenas três semanas do centro de Roma". Os gauleses decidem sabotar a construção oferecendo a poção energizante aos escravos operários, para que eles se rebelem. Pragmáticos, os trabalhadores, no entanto, usam a força extra adquirida para se inserirem naquela nova sociedade que se forma, exigindo moradia nos condomínio e salários – mas ganhando um pagamento exatamente igual ao que pagarão de aluguel aos romanos, eles, na prática, seguem sendo escravos, situação que ilustra o humor ácido e politizado impresso na série.
Vale destacar que Uderzo e Goscinny tinham como referências, além da acuidade com os fatos históricos do período retratado nas HQs, as turbulências que a França enfrentou com seu passado colonialista com os imigrantes que abrigou e a efervescência política e e comportamental que ganhou corpo no mundo na década de 1960.
Por vias tortas, os romanos ameaçam romper a resistência gaulesa estimulando naquele ambiente pastoral, coletivo e solidário o despertar da ganância, da vaidade e do individualismo. Os aldeões passam a ver nos novos vizinhos uma forma de ganhar dinheiro fácil. Inflacionam os produtos que vendem e passam a brigar entre si na concorrência que se estabelece.
Depois de muitas tentativas para reproduzir no cinema – em animações e filmes com atores – o encanto e a verve libertária que Uderzo e Goscinny consagraram nos quadrinhos, Asterix e o Domínio dos Deuses finalmente alcança um ótimo resultado. Com a beleza de seus cenários e a fluidez dos traços alcançada pela computação gráfica, a produção honra os bravos gauleses de forma tão precisa que quase dá para sentir o cheiro e o gosto dos javalis devorados por Obelix.