Foi inspirado na ficção de cordel e nos mitos do cangaço nordestino que o músico Alceu Valença decidiu estrear como diretor de cinema. Para realizar A Luneta do Tempo, que ganhou os prêmios de melhor direção de arte e trilha sonora no Festival de Gramado de 2014, mas que só nesta semana entra em cartaz em Porto Alegre (na Sala Eduardo Hirtz), Valença incorporou a estrutura fabular e os diálogos declamados repletos de rimas que ajudaram a imortalizar lendas e personagens históricos como Lampião e Maria Bonita.
Trata-se de um projeto bastante pessoal, inspirado nas histórias de cangaceiros do início do século 20, que o autor de canções como Anunciação e Tropicana ouvia na infância, em São Bento do Una (PE) – município em que nasceu e para o qual voltou para rodar A Luneta do Tempo. As músicas de Luiz Gonzaga – e sua respectiva leitura dos mitos fundadores da cultura nordestina – são uma espécie de guia condutor da narrativa. O filme é glauberiano até a medula, de sua forma barroca à tentativa de relacionar eventos ordinários com o macrocosmo cultural que representam.
Começa claudicante, com o "Rei do Cangaço" (Irandhir Santos) e sua amada (Hermila Guedes) caçando e sendo caçados no sertão. Quando encontram a trupe de um circo e com ela estabelecem uma parceria, o projeto cresce, sobretudo ao abordar o sentido de permanência dos cangaceiros na memória de seu povo mesmo após a sua morte.
As sequências da ressurreição e da encenação de um duelo pelos artistas circenses são especialmente interessantes. Há, no entanto, muitas pontas soltas, algumas assim deixadas de propósito (a ilusão e o mistério são motores das histórias orais), outras que Valença tenta amarrar já perto do final, nem sempre com sucesso.
No fim das contas, A Luneta do Tempo é irregular, mas até isso ajuda na criação de uma aura de inocência que faz bem ao longa como um todo. Seus defeitos, isso é certo, não são suficientes para reduzir a sensação de que se está diante de um filme feito com paixão e que diz muito sobre a sensibilidade e as motivações de seu autor.
A LUNETA DO TEMPO
De Alceu Valença
Drama, Brasil, 2014, 100min.
Em cartaz nas sessões das 15h30min e 19h30min da Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre.
Cotação: 3 estrelas (de 5).