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O planeta testemunhará neste ano o triunfo de Romero Britto. Não que ainda precise provar a alguém que é um artista brasileiro famoso mundialmente. Já faz tempo que suas cores estampam produtos de todo tipo - de relógios a automóveis - e que ele aparece em fotos ao lado de rainhas e celebridades que prestigiam e colecionam suas obras.
É que Romero Britto foi um dos escolhidos para carregar a tocha na Olimpíada de 2016, no Rio. Uma ação de marketing da Coca-Cola, o momento será simbólico para o artista que conquistou o sucesso - mas não a aprovação da crítica ou do circuito artístico. Muitos torcem o nariz para sua popularidade, consideram seu trabalho inferior, costumam vê-lo como um intruso no mundo das artes.
Nesta entrevista, Romero fala de sua trajetória, comenta a influência de Picasso, rebate críticas e diz ser muito bem-resolvido quanto ao aspecto comercial de sua obra.
- Não me preocupo, não. Só falo sobre isso quando um jornalista como você me pergunta. Porque, em geral, estou pintando e aproveitando as coisas legais - diz Romero, que conversou com ZH por telefone de Nova York, enquanto se deslocava ao aeroporto JFK para voar à Itália.
Morando fora do Brasil e cumprindo uma série de viagens a trabalho entre Estados Unidos, Europa e Ásia, sobra algum tempo para voltar ao país?
Não tenho ido muito ao Brasil. Vou agora para a Olimpíada porque carregarei a tocha olímpica em um trabalho pela Coca-Cola. Vivo em Miami, mas viajo bastante. Semanas atrás, fui para a Argentina porque tenho negócios com uma galeria que também atua em cruzeiros. Essa galeria vende a reprodução da minha arte para navios, são mais de cem no mundo inteiro. Mas, neste ano, vou fazer quatro cruzeiros em que serão realizados eventos com colecionadores, que vão para se encontrar com o artista. Ocorrerão leilões nos navios, e eles (os colecionadores) costumam gastar fortunas comprando muita obra de arte.
Quem são os grandes colecionadores de suas obras?
A família da Peggy Guggenheim (uma das maiores colecionadoras de arte do século 20, morta em 1979) é uma grande compradora e colecionadora da minha arte. Um dos principais colecionadores do mundo, o Carlos Slim (bilionário empresário mexicano do ramo das telecomunicações), tem minha arte na coleção dele. Ele é dono do maior museu particular do mundo, o Soumaya, com mais de 65 mil obras, que está no México e é aberto ao público. Carlos Slim é um grande patrono das artes e apoiador da minha arte.
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Você é um dos artistas brasileiros mais famosos internacionalmente. Como foi o começo e quais são os momentos de sua carreira que considera importantes nessa trajetória de sucesso?
Eu tinha a ideia de ser diplomata, queria viajar o mundo inteiro. Depois, vi que diplomacia não era para mim e que queria fazer uma coisa diferente. Quando já fazia minha arte, resolvi então que queria mostrá-la para o mundo. Como o mercado de arte no Brasil é muito complicado, pensei em fazer isso em outro lugar. Decidi ir morar na Europa. Passei um ano lá. Mas, ao conhecer os Estados Unidos, vi um lugar onde a dinâmica das coisas acontecia mais rapidamente. Isso foi quando visitei um amigo meu em Miami. Adorei e fiquei, estou lá até hoje. Tenho casa em Nova York, viajo o mundo inteiro, mas amo Miami, é uma cidade onde eu encontrei o maior apoio para minha arte.
Aos olhos do mundo, Miami hoje se destaca, entre outras coisas, por sua movimentada cena artística e pelas galerias e feiras.
Miami é isso e muito mais. A cidade tem o Oscar das artes, que é a Art Basel, uma das maiores feiras de arte. O mundo inteiro fica de olho no que acontece e em quem passa por lá.
É verdade que você aprendeu inglês ouvindo canções dos Bee Gees?
(risos) Aprendi inglês fazendo aula na Europa no tempo em que passei lá. Mas comecei a aprender mesmo e a falar melhor quando me mudei para os Estados Unidos. Sempre gostei também de estudar inglês ouvindo música, como Bee Gees e Michael Jackson. Nunca imaginava que um dia o Michael Jackson faria uma festa para mim em Neverland convidando tanta gente.
Como assim? Uma festa em Neverland oferecida por Michael Jackson?
Ah, essa é uma história... Algum tempo depois dos atentados de 11 de Setembro, li uma matéria dizendo que o Michael faria um disco para arrecadar dinheiro para as famílias das vítimas. Ele queria uma capa para o álbum (o single da canção What More Can I Give, com a participação de diversos cantores), e um amigo nosso em comum nos colocou em contato. Ele disse que já conhecia a minha arte e que gostava muito dela. E acabou me convidando para produzir a capa. Ele ficou tão entusiasmado que me convidou para conhecer Neverland e me deu uma festa lá.
Com Michael Jackson. Foto Arquivo Pessoal
Já faz alguns anos que você é uma espécie de figura fácil vista ao lado de famosos e celebridades. São muitos conhecidos?
Conheço bastante gente. Madonna, Arnold Schwarzenegger, Bill Clinton...
Fiz também retratos da família Bush. E ainda da Rainha Elizabeth II, da Inglaterra, e da rainha Silvia, da Suécia. É tanta gente, o que mais posso dizer... Tem Jane Fonda, Kim Kardashian, Kanye West, Justin Bieber, Michael Jordan...
Rainha Silvia, da Suécia. Foto All Over Press Sweden , Divulgação
Seu trabalho hoje aparece em produtos licenciados vendidos em lojas, em coleções particulares e em acervos de museus. Como você vê esse trânsito e alcance, que faz sua produção atingir tantos e diferentes públicos?
Sempre tive vontade de dividir e compartilhar minha arte com muita gente, e não só pintar para poucos, para uma pequena elite do mundo. É claro que eu fico muito feliz que gente famosa e rica, como as rainhas da Inglaterra e da Suécia e outras pessoas importantes do mundo, se interesse pela minha arte e colecione. Mas acho superlegal que minha arte possa ser desfrutada e vista e que possa trazer um sorriso e um pouco de alegria para as pessoas no mundo inteiro, muitas delas sem acesso por estarem distantes das grandes capitais do mundo. Para mim, é uma grande satisfação ver que as pessoas possam ter acesso e essa experiência ao conhecer meu trabalho.
Mas você não acha que o público precisa ser instigado a conhecer arte como uma experiência mais criativa, profunda e enriquecedora?
A obra de arte pode ser difundida e absorvida por um grande público, e os museus fazem isso. Hoje em dia, é como se os museus fossem as igrejas do passado. As pessoas vão para adorar as obras de artistas que no passado estavam nas igrejas. Só que nem todo mundo pode ir ao museu ou adquirir uma obra de arte, mas muitos podem ter um relógio ou outros produtos com minha arte. Acho que ainda tem muita coisa a ser feita para que a arte fique mais próxima das pessoas.
Como você vê a fusão entre arte e negócios? A demanda comercial não banaliza seus trabalhos?
Já fiz e faço trabalhos com Coca-Cola, Louis Vuitton, Volvo, Audi, Campari, Samsung... Há mais de 20 anos, trabalho com a Disney, que faz miniaturas de todos os personagens com o vocabulário da minha arte. Tenho meu estúdio, onde mais de cem pessoas trabalham comigo. E também me envolvo com muitos projetos em que as coisas não são feitas só nos Estados Unidos, mas em várias partes do mundo, inclusive na Ásia. Como tenho pessoas que cuidam disso para mim, não me envolvo com muitas etapas do negócio. Então, esta questão comercial é muito bem resolvida para mim. Mas tem artista que realmente acha que, se a arte dele ficar comercial, vai virar outra coisa. Mas comigo não tem problema, pois acho legal poder dividir minha arte de uma maneira diferente.
Romero já customizou carros Bentley, Volvo e Audi, entre outras marcas. Abaixo, um Porsche 911 Cabriolet. Foto Divulgação
No seu site, está escrito que um momento importante de sua vida foi o contato com as obras de Matisse, Picasso e também da pop art. Essas são as suas influências?
Sempre gostei muito da composição da arte de Picasso. Ele era um artista muito inventivo, não se preocupava com o que as pessoas falavam, e isso também me inspira. Em um momento, falavam que ele pintava demais; em outro, que a arte dele era muito estranha. A composição de Picasso é muito inventiva. Do Matisse, sempre gostei do colorido da arte dele. Quando vim morar nos Estados Unidos, foi o momento em que realmente me deparei com a pop art, de Andy Warhol e Jasper Johns, depois Keith Haring e outros. Esses artistas me influenciaram bastante, sempre os admirei muito, pois também deram uma grande contribuição para o mundo das artes.
Mas essa contribuição se deu muito pelo fato de artistas como Matisse e Picasso terem sido revolucionários na História da Arte, por estarem sempre em busca do novo e do desconhecido. Já o seu trabalho é marcado por certa repetição dos temas e padrões. Isso não torna suas obras previsíveis e pouco instigantes?
Vou te contar uma coisa. Quando comecei a pintar, nunca imaginava que a arte fosse transformar a minha vida, me levar a tantos lugares, a conhecer tanta gente. Acho que, pela minha dedicação, criei um vocabulário pelo qual as pessoas podem, de longe, identificar minha arte. E também quem se influencia por ela e até quem a copia. Tem artista que está o tempo todo tentando uma coisa aqui, outra ali, sempre à procura de algo que não achou. Se você está atrás de alguma coisa, fica sempre procurando essa coisa que não sabe o que é. No meu caso, com esse vocabulário que tenho elaborado com minha arte, posso criar várias coisas, desde uma natureza-morta até um retrato. Meu vocabulário tem possibilidades infinitas. Com minha combinação de cores e minha linguagem, quero que as pessoas sempre identifiquem que se trata de um trabalho meu.
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A reprodução em escala industrial de seu trabalho e a comercialização em produtos e marcas não vulgarizam sua obra?
Isso é também democratizar a arte, para que as pessoas tenham acesso sem precisar se deslocar para grandes centros onde há museus e galerias que exibem as obras originais. Fui para uma conferência em Chicago, e o diretor de um museu de arte da Holanda contou que as obras de arte foram todas digitalizadas, são muitas, para serem usadas pelo público no mundo inteiro. E disse que espera que essas reproduções possam ser usadas até em papel higiênico, porque ele quer que, um dia, a pessoa que usou essa imagem da obra de arte queira ficar de frente ao original. A ideia é levar o sonho às pessoas.
Como você vê sua recepção pela crítica e pelo próprio meio artístico, que costumam ser reticentes com seu trabalho? Apesar de seu sucesso internacional, você se sente de algum modo desprezado?
Isso acontece muito no meio artístico. Tem muitas pessoas no Brasil que adoram minha arte, que compram minha arte. Então, isso é uma certa ignorância do meio artístico. Quanto mais gente se der bem, significa que o mundo artístico está crescendo, o mercado está crescendo. Isso dá oportunidade para outras pessoas. O desprezo, em geral, acontece em vários estágios: você admira e depois começa a inveja, que cresce, cresce até dar no ódio. Aqui nos Estados Unidos, tem um dizer que é algo assim: você só chegou lá e se tornou importante quando tem muitos inimigos. Nesse dito em inglês, inimigo odioso é o hater, que hoje também vemos nas redes sociais.
Como é ser chamado de Paulo Coelho das artes visuais?
Para mim, é uma grande honra. Tanta gente já me comparou. Ser comparado ao Paulo é realmente um grande privilégio e uma alegria. Adoro o Paulo, é um amigo meu.
Com Paulo Coelho. Foto Arquivo Pessoal
Você tem acompanhado o noticiário político brasileiro? Como está vendo o Brasil de hoje?
Tudo é um período, sempre é um período. As coisas passam e mudam. Acho que tudo é tempo. Na área financeira, acho que essa ideia de crise fica mais visível, é mais dita e ganha os noticiários, inclusive fora do Brasil, sim. Mas quem já visitou o país entende o Brasil. O mundo adora a cultura e as pessoas brasileiras. Por isso, acredito que seja apenas um período pelo qual o país está passando.
Meses atrás, circulou uma imagem em que você havia pintado uma folha de maconha. Qual sua opinião sobre o debate da descriminalização?
Fiz uma obra de arte porque nos Estados Unidos tem todo um movimento para liberação para que as pessoas possam usar como medicamento para a saúde. Acho que o mundo seria menos violento se tivesse o controle das drogas, se os governos cuidassem disso. Acredito que, quanto mais proibido, mais haverá mercado, violência e tudo de ruim que vem junto. E cuidar disso se torna muito caro. Por exemplo: uma pessoa jovem é pega com maconha e vai pra cadeia. Isso não só fica na história e marcado para o resto da vida da pessoa, como pode encaminhá-la para o crime. Sendo que é apenas um erro quando jovem. Economicamente, também acho que seria mais inteligente (descriminalizar). Aqui nos EUA já temos estados que liberaram. Os países também deviam dar uma olhada no que a Holanda e a Suíça fazem.
Você usa sua fama e visibilidade para projetos sociais?
Eu tenho projetos de caridade em várias partes do mundo. E, desde o ano passado, o Príncipe Charles me convidou para fazer parte da fundação internacional dele. Então, estou trabalhando o tempo todo com caridade, em vários projetos.
E a Olimpíada? Como está sendo a expectativa para carregar a tocha olímpica no Brasil?
Vai ser muito emocionante e simbólico. Vou tomar muita Coca-Cola (risos).
Com o príncipe Charles. Foto Arquivo Pessoal