O culto ao cinema argentino existe por todo o Brasil, mas está potencializado em Porto Alegre: invariavelmente, a capital gaúcha registra os melhores resultados de público obtidos pelos filmes do país vizinho lançados por aqui. O que os cinéfilos da cidade poderão descobrir a partir desta terça-feira é que há uma produção argentina composta por longas-metragens ainda melhores que, no entanto, nunca foram exibidos do lado de cá da fronteira.
Por trás dessa produção está uma geração posterior à dos cineastas que, no fim dos anos 1990, criou o movimento informal que seria batizado de "nueva onda". Martín Rejtman, Matías Piñeiro e Benjamin Naishtat são alguns de seus nomes (veja os filmes abaixo), e o Buenos Aires Festival Internacional de Cine Independiente (Bafici), o seu palco por excelência.
Habitué do evento portenho e admirador da jovem produção latino-americana, o diretor e curador Giovani Borba se uniu ao crítico e programador da Sala P.F. Gastal Leonardo Bomfim para fazer uma seleção representativa dessa "segunda nova onda" argentina. Houvesse mais recursos, teriam escolhido ainda mais filmes, mas os 11 eleitos dão conta da diversidade e da qualidade dessa produção. Os longas, quase todos realizados de 2011 para cá (a exceção é Histórias Extraordinárias, que é de 2008 e pode ser classificado como um de seus marcos iniciais), formam a mostra Nuevos Cines – Cinema Argentino Contemporâneo, que terá abertura na noite desta terça na P.F. Gastal.
Até 10 de abril, será possível assisti-los todos, em projeções digitais de alta resolução, a partir de cópias trazidas com o apoio do Consulado da Argentina. A mostra é uma realização da prefeitura da Capital e integra as comemorações do 244º aniversário da cidade.
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– Não vai ter Ricardo Darín! – brinca Borba. – Em geral, as pessoas acham o cinema argentino inteligente e acessível. Queremos ampliar isso: mostrar que há muitas outras propostas estéticas vindas de lá, e estas não necessariamente repetem a fórmula tão conhecida por aqui.
A segunda onda contempla abordagens mais radicais da linguagem cinematográfica, na comparação com a primeira – o que ajuda a explicar por que seus filmes não são tão difundidos quanto os de Pablo Trapero (O Clã), Juan José Campanella (O Segredo dos seus Olhos) e Daniel Burman (As Leis de Família). Trata-se de algo parecido com o que ocorre no Brasil, onde o chamado "novíssimo cinema nacional", a despeito de sua qualidade, segue ignorado por parte do grande público.
– Em parte, essa mais nova geração é invisível inclusive na Argentina, embora circule por festivais em todo o mundo – comenta Bomfim.
A ideia inicial dos dois curadores era trazer mais longas-metragens, o que não foi possível dada a instabilidade do dólar e as limitações financeiras do projeto. Um dos idealizadores da Sessão Plataforma, que traz à capital gaúcha novidades cinéfilas inéditas no circuito, Borba ainda pretende realizar em Porto Alegre uma mostra semelhante voltada ao cinema latino-americano. Seria uma sequência lógica: os argentinos não estão sós a demonstrar a vitalidade da jovem produção cinematográfica do continente.
Fique atento
A mostra Nuevos Cines começa nesta terça-feira, com coquetel e distribuição de senhas para a sessão de Dois Disparos a partir das 19h. A Sala P.F. Gastal fica na Usina do Gasômetro (Av. Pres. João Goulart, 551). Os 11 longas terão exibições diárias intercaladas até 10 de abril (às 20h de terça a sexta-feira e a partir das 15h aos sábados e domingos). Veja a grade diária no blog da Sala P.F. Gastal.
Os filmes
A Mulher dos Cachorros – Uma história de solidão, sobre uma mulher que sobrevive em uma borda selvagem da cidade grande. De Laura Citarella e Veronica Llinás, 2015, 98min.
A Princesa da França – Drama cômico inspirado em Trabalhos de Amor Perdidos, de Shakespeare, sobre um encenador que trabalha na montagem de um espetáculo com elenco feminino. Do mesmo diretor de Viola (2012). De Matias Piñeiro, 2014, 66min.
Atlântida – Enquanto a tempestade de verão não vem, duas irmãs refrescam-se em uma piscina – momento que será inesquecível para elas. De Inés Barrionuevo, 2014, 88min.
Dois Disparos – O diretor de Rapado (1992) narra neste longa inventivo a história de um adolescente que encontra uma arma de fogo e atira em si próprio, mas sobrevive, para a surpresa de todos à sua volta. De Martín Rejtman, 2014, 95min.
Histórias Extraordinárias – Drama monumental de quatro horas de duração sobre três homens vivendo suas histórias paralelamente no interior argentino. De Mariano Llinás, 2008, 245min.
O Escaravelho de Ouro – Inspirado em Poe e Stevenson, este ensaio debate várias tensões, das relações entre latinos e europeus à do cinema independente e de caráter industrial. De Alejo Moguillansky e Fia-Stina Sandlund, 2014, 102min.
O Movimento – O diretor de Bem Perto de Buenos Aires (2013) aqui reconstrói de maneira apocalíptica a história da Argentina, moldada a partir de violência e exploração social, em uma trama situada no século 19. De Benjamin Naishtat, 2015, 70min.
P3ND3JO5 – Do prolífico realizador de La Mecha (2003) e Ragazzi (2014), este drama musical narra a pulsação juvenil em uma região de subúrbio de Buenos Aires. Detalhe para a grafia do título: a referência é a palavra "pendejos" (gíria usada na América Latina para descrever "jovens", ou "crianças"). De Raúl Perrone, 2013, 150min.
Salsipuedes – Um casal viaja para um lugar bonito no interior, mas entra em crise e não aproveita o passeio. De Mariano Luque, 2012, 66min.
Uma Importante Pré-Estreia – Documentário sobre a cinefilia de Buenos Aires dos anos 1960 a 80. De Santiago Calori, 2015, 72min.
Yatasto – Documentário rodado na periferia da cidade de Córdoba que acompanha a rotina de três garotos aprendizes de carroceiro. De Hermes Paralluelo, 2011, 95min.
E tem mais
Na Cinemateca Capitólio, outro espaço mantido pela prefeitura da Capital, entram em cartaz nesta terça-feira três filmes realizados na Argentina. São eles A Menina Santa (2003), segundo longa da cultuada Lucrécia Martel, talvez o principal nome da chamada "nueva onda" do cinema do país vizinho, e ainda o superpremiado O Guardião (2005), de Rodrigo Moreno, e Felizes Juntos (1996), que o chinês Wong Kar Wai filmou em Buenos Aires e em outras regiões do interior argentino. A trinca de aclamados títulos terá exibições às 18h e às 20h, até domingo, complementando a programação da mostra Nuevos Cines.