Inaugurada em maio de 1999, a Sala P.F. Gastal provavelmente nunca passou por um momento de instabilidade como o que vivencia agora, nos primeiros meses de 2016. O cinema da Usina do Gasômetro fechou as portas para o tradicional recesso de fim de ano em dezembro e só voltou a funcionar, desde então, em caráter provisório, para a realização de mostras consideradas especiais, agendadas com bastante antecedência – além de Nuevos Cines, que se inicia nesta terça-feira, houve a Semana da Francofonia, que terminou no domingo.
A reabertura definitiva depende da contratação de pessoal, o que se tornou uma necessidade desde a inauguração da Cinemateca Capitólio, administrada pela mesma equipe da Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da prefeitura, há exatamente um ano, em março de 2015.
– Tivemos de adiar estreias que havíamos previsto para janeiro e fevereiro, como as de Cavalo de Turim, de Béla Tarr, e Norte, o Fim da História, de Lav Díaz – lamenta o programador Leonardo Bomfim.
Leia também:
Os filmes e a palavra dos curadores da mostra Nuevos Cines
Todas as críticas e notícias de cinema em Zero Hora
A relevância desses dois títulos, realizados por dois dos mais interessantes cineastas das últimas décadas, um húngaro, outro filipino, dá a dimensão do quanto os responsáveis pela P.F. Gastal estão atentos a melhor produção contemporânea. Tem sido assim desde 1999. Em pouco mais de uma década e meia, a sala apresentou a filmografia completa de Jim Jarmusch, uma mais do que pertinente revisão da obra de Jacques Rivette, as até então raras cópias em 35mm dos enigmáticos longas de Apichatpong Weerasethakul, além de ser responsável por visitas históricas como as de Claire Denis, Kenneth Anger e William Raban, entre vários outros feitos. Foi, no período, o palco de excelência do cinema em Porto Alegre.
É por isso que sua agonia atual toca o coração dos cinéfilos da cidade. Pior ainda: embora a inauguração da Cinemateca Capitólio tenha colaborado para tirar público da P.F. Gastal (afinal, trata-se de uma sala "concorrente"), alguns dos fatores fundamentais para a derrocada do cinema do Gasômetro são, em essência, externos. Não dizem respeito ao cinema propriamente dito.
São questões urbanísticas e de (des)valorização da cultura como um todo que explicam a situação. É a própria derrocada do Gasômetro que está em curso. Apesar de sediar projetos interessantes, o tradicional centro cultural às margens do Guaíba sempre sofreu com problemas de infraestrutura. Desde 2014, com a derrubada de árvores em seu entorno e o alargamento da Av. Presidente João Goulart, obra que integrava o pacote de adequações para a Copa do Mundo, tornou-se ainda mais isolado e, à noite, quase inacessível. Com menos pedestres e uma via expressa mais difícil de se atravessar separando-o do restante do centro da cidade, a falta de segurança, problema crônico da região, agravou-se de tal maneira que hoje é beira a irresponsabilidade frequentá-lo após as 19h – horário nobre das sessões de cinema.
É irônico (e triste) constatar que a Sala P.F. Gastal ganhou prestígio e atingiu alguns de seus melhores momentos quando seus gestores tomaram decisões arriscadas, selecionando filmes tidos como difíceis e investindo em uma programação que o senso comum indica ser "para poucos". Um período de auge, segundo a Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia, deu-se entre 2012 e 14, quando Porto Alegre viveu um boom cinéfilo – marcado pelo crescente interesse das pessoas pela obra de cineastas nem sempre afirmados, invariavelmente advindos de países periféricos. O desserviço do poder público é também um ato de desprestígio desse inestimável trabalho de aproximação do público local ao melhor, embora nem sempre acessível, cinema contemporâneo.
Lamentável, porém previsível.