Em As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, o aventureiro Marco Polo descreve a Kublai Khan as fantásticas cidades que pertencem ao imenso domínio do grande imperador tártaro. São lugares que misturam fantasia, fausto, decadência, memória. Cidades tão reais que são feitas de sonho. Cidades onde nunca se consegue chegar ou, por mais que se ande, jamais se encontra a saída, cidades que avançam no mapa do dia para a noite, cidades que são melhores quando vistas em cartões-postais. Cidades antigas. Cidades futuras. Cidades que ainda não nasceram e outras que morrendo estão sempre a nascer. Círculos que se fecham em círculos, ou se abrem em espirais sem fim.
As cidades de Polo têm nomes como Isaura, Isidora, Doroteia, Zaíra, Leandra, Anastácia, Maurília, Olívia, Esmeraldina. Já nas primeiras linhas, o narrador adverte: "Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo, (...) mas (...) continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e atenção do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores".
De repente, comecei a imaginar nossas canções regionais como nomes de cidades. Temos no Rio Grande do Sul várias cidades cujos nomes nos remetem a algo de poético ou pitoresco. Como não embarcar numa viagem de imaginação quando se pensa em visitar um frenético Formigueiro, ou um aconchegante Travesseiro, ou uma desmedida Alegria, uma Alvorada de galos cantadores, uma Casca que pode guardar uma fruta doce, Mormaço... Garruchos... Esmeralda...
E, nas canções, poderíamos nos imaginar entrando em Veterano, cidade onde os velhos são meninos de alma leve voando sobre o pelego; em Ô de Casa, onde reina a hospitalidade e os visitantes sabem que nos ranchos tem pousada e chimarrão; lá em Esquilador, quando no tempo das lãs os dias sempre clareiam com outro sabor; ou ainda em Roda Canto, onde se sabe que o canto chega de longe na garupa do vento e sempre repete: sangue, sol, sêmen, semente...
Fica por aqui esse rápido delírio. Fica com as palavras do aventureiro veneziano: "Eu falo, falo, mas quem me ouve retém somente as palavras que deseja. (...) Quem comanda a narração não é a voz: é o ouvido".
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