Dirigido por uma cineasta turca, rodado na Turquia e abordando em sua narrativa um drama afinado com a realidade deste país, Cinco Graças disputa pela França o Oscar de melhor filme estrangeiro no próximo dia 28 de fevereiro. E é interessante isso, independentemente dos meandros do processo de coprodução entre os dois países que viabilizou o primeiro longa-metragem de Deniz Gamze Ergüven e determinou a bandeira que ele representa. Porque Cinco Graças trata de um tema cada vez mais na pauta dos países europeus que abrigam imigrantes em sociedades multiculturais e, a exemplo da França, encaram nessa convivência as tensões decorrentes das diferenças culturais, religiosas e comportamentais. O foco aqui é específico: o papel da mulher sob um regime patriarcal e castrador de seu livre-arbítrio.
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Nascida em Ancara e vivendo desde de criança na França, onde estudou cinema, Deniz, 37 anos, destaca como protagonistas de Cinco Graças cinco jovens irmãs que, após a morte de seus pais, vivem com a avó e o tio em um vilarejo do litoral turco. No dia em que se iniciam as férias de verão, as meninas vão celebrar na praia com amigos. A avó fica sabendo por uma vizinha que o contato físico delas com os garotos nas brincadeiras foi "inapropriado". Após o castigo físico, as irmãs passam a viver sob a severa vigilância do tio, que transforma a casa em prisão e decide encaminhar as mais velhas para casamentos arranjados.
Nesses primeiros movimentos, Cinco Graças lembra bastante As Virgens Suicidas (1999), longa de estreia da americana Sofia Coppola que também mostrou cinco irmãs enclausuradas - pelos pais repressores - para não serem "contaminadas" pelas tentações da adolescência. Mas, diferentemente da atmosfera densa e contemplativa alcançada por Sofia, Deniz, em Cinco Graças, segue por um caminho mais linear em sua dramaturgia.
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Como faz alguns dos mais prestigiados e premiados realizadores do cinema turco contemporâneo, entre eles Nuri Bilge Ceylan, Deniz procura destacar nesse país onde predomina a fé islâmica duas realidades: uma porção cosmopolita e mais liberal sintonizadas com o Ocidente e outra mais atada às tradições seculares conservadoras impressas na sua conexão com o Oriente.
Mas a diretora expõe esse contraste sem maior complexidade, sem trabalhar, como Ceylan, sobre zonas de sombra. De forma um tanto didática, Cinco Graças alcança de pronto a empatia do espectador com suas belas e graciosas personagens, sobretudo a caçula Lale(Günes Sensoy), apaixonada por futebol e que ainda não é movida, como as irmãs, pelo interesses românticos que as faz se arriscarem em aventuras além dos muros de casa.
A figura sinistra do tio, delineada como o vilão da trama, cria uma progressiva tensão no ambiente, guiada pelos olhos de Lale. Com suas transgressões e travessuras, as garotas não se rendem à repressão, que se torna mais intensa na medida em que a determinação delas em explorar o mundo e experimentar sensações com seus corpos contraria a preparação em curso para torná-las esposas prendadas e passivas.
Ainda que não apresente uma abordagem mais criativa e lance questionamentos mais profundos sobre o tema da repressão feminina em sociedades conservadoras - como fez o gracioso filme saudita O Sonho de Wadjda (2012) - Cinco Graças mostra-se relevante por mantem na pauta o debate sobre um processo de justiça, respeito, tolerância e igualdade que ainda tem muitos passos a avançar em todo o mundo.
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Cinco Graças
De Deniz Gamze Ergüven
Drama, França/Turquia/Alemanha, 2015, 93min.
Sessões nesta sexta-feira (19/2), no Espaço Itaú 3 (15h40, 19h50) e Guion Center 3 (14h, 17h45, 19h35)
Cotação: 3 de 5 estrelas
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