Numa dessas coincidências que só acontecem nas férias, num final de tarde terminei o romance Funny Girl, de Nick Hornby, e, no começo da noite, sentei para ver o filme Brooklyn, de John Crowley, baseado no romance de Colm Toibin. Até aí, nada demais. Quando vieram os créditos, contudo, para minha surpresa li que o roteiro era de Nick Hornby. Dois Hornbys no mesmo dia. Os dois muito bons. E muito diferentes. Como o autor de Alta Fidelidade, livro com largas doses de ironia inglesa e tão conectado ao rock’n’roll, pode escrever o roteiro de um filme ultrarromântico, que conta a história de uma imigrante irlandesa que vai para os EUA na década de 1950? Como o cara que, em Funny Girl, conta piadas sobre a difícil arte de contar piadas na TV dos anos 1960 (e nos faz rir bastante), de repente se transforma no artesão dos diálogos sutis, das emoções escondidas e dos dramas muito íntimos que constroem a trama de Brooklyn?
É como se Picasso, às vezes, pintasse como Renoir. Você, caro leitor, poderá dizer que, no começo de sua carreira, Picasso era tão careta quanto Renoir. Mas não estou falando de “fases” da criação de Hornby. Ele escreveu Funny Girl e Brooklyn quase ao mesmo tempo. Uma pincelada de Picasso aqui, uma de Renoir ali. E os dois quadros ficaram bons. Quase sempre um autor, depois de encontrar sua “voz” literária, seu “estilo” musical, sua “pincelada” nas artes visuais, permanece fiel ao seu achado, em especial quando a crítica e o público afirmam que ele está no caminho certo.
Nick Hornby até pode ter uma voz característica; no entanto, usa vários sotaques. Ele nos ensina que escrever é um ofício que pode ser exercido em diversas linguagens e com diferentes objetivos. Ele nos mostra que um autor não precisa ficar girando em volta do mesmo tema a vida inteira, ou usando os mesmos velhos truques em todas as histórias que conta. Eu, que gosto de punk rock e ópera, de Picasso e Renoir, de textos ácidos e de um romantismo doce (contanto que não seja piegas), agradeço ao Hornby por ser tão eclético e tão talentoso. E vou dormir mais tranquilo: a vida é mesmo cheia de oportunidades, e é uma pena pedir sempre o mesmo prato se temos um cardápio variado.