Sou cineasta desde 1978. Comecei fazendo Super-8, sem qualquer apoio estatal, e já financiei alguns filmes com meu próprio dinheiro. Mas, como a grande maioria dos meus colegas, utilizo os mecanismos de incentivo público ao setor, que, em suas diferentes formas legais, estão espalhados pelo mundo todo. Sem eles, só consumiríamos os filmes de Hollywood, um bairro norte-americano metido a besta capaz de inundar o planeta inteiro com seu lixo e suas obras-primas.
Atualmente, a principal base de apoio ao cinema brasileiro chama-se Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). O sindicato patronal das empresas de telecomunicações (celulares) obteve uma liminar que suspende o pagamento de uma taxa chamada Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional), existente desde 2011, ao FSA. Essa liminar possivelmente será derrubada em breve, mas já resultou na habitual enxurrada de manifestações contrárias ao apoio do Estado aos produtores.
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As frases clássicas são: "Esses cineastas só sabem mamar no governo" e "Com tantos problemas para serem resolvidos nas áreas de saúde, segurança e educação, o Brasil gasta fazendo filmes que ninguém quer ver". Em relação à primeira frase, eu poderia listar muitos outros setores da economia que não sobreviveriam sem algum tipo de proteção. Também seria fácil, em relação à segunda, provar que os brasileiros gostam do cinema nacional - na verdade, sempre gostaram - e que, nos últimos anos, apesar de algumas distorções no mercado, as bilheterias têm crescido.
Mas todos esses argumentos são pequenos, se comparados ao que realmente interessa: filmes não são menos importantes que saúde, educação e segurança. Filmes pertencem à mais decisiva das forças evolutivas: a criação simbólica e imaginativa. Em Uma Breve História da Humanidade, Yuval Noah Harari mostra que o grande salto da nossa espécie - incluindo as noções de linguagem e dinheiro - só aconteceu porque passamos a acreditar, há 70 mil anos, no poder da ficção, que encontrou no cinema, alguns milênios depois, seu veículo mais poderoso. Temos que produzir filmes no Brasil porque eles são, simplesmente, a coisa mais importante da vida.