Acaba de se atirar do 12º andar, a louca do Quintana. Seu voo, ciclicamente, mistura algo de desilusão e de frenesi. Vai cruzando os andares que, uma vez transpostos, desaparecem. Desde sempre ela se joga. Desde sempre ela cai - mergulho no nada. Olhares atônitos às vezes a percebem e acompanham seu caminho nuvens abaixo. Outros seguem indiferentes, caminhando sem se dar conta que um tanto de cada um também cai junto com a louca. Seu delicioso voo é entrecortado por sirenes e reco-recos. Parece desorientação e abismo, mas é bússola e ponte.
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Em cada final de dezembro, a cena se repete. Cada um de nós também se precipita do alto de nossas íntimas construções, imitando a louca, que, ao encontrar a calçada que lhe finda o voo, com seus olhos verdes e outra vez criança, repete - é sempre necessário dizer tudo de novo - seu nome numa pronúncia alongada e preguiçosa.
Sabemos que nada terminou. Estamos certos de que nada se inaugura. Não houve ruptura, mas todos brindamos o fim e o recomeço. Precisamos pensar que a chance que acabamos de perder desenhou a porta que se abre para uma nova chance. E as taças se erguem. E colocamos no céu estrelas multicoloridas que são explosões de flores e que brilham dentro dos olhos que marejam pela simples alegria de continuar.
Somos. Estamos. Vagos no pago que é vago. Na poesia de Silva Rillo. Nos versos de Mario Quintana. Na boca de nossos cantores. Sustentamos nossa cruz em alicerces de vento. Vagamos... Em seguida, o sumarento dos frutos. Em seguida, juntar gravetos para o inverno. Logo ali, novos e eternos perfumes, e amores, e encontros e despedidas. E aqui, nós e a nossa louca. Nós e a criança que levamos pela mão enquanto ela nos conduz.
Doze baladas no relógio. Escala dodecafônica. Últimos segundos que escoam rezados, cantados, extasiados. E o novo ano escreve em sua portada o nome que menina de olhos verdes acabou de dizer, bem devagarinho para que ninguém esqueça, nos convidando a subir novamente as escadas do edifício: ES-PE-RAN-ÇA!