Um dos grandes cineastas italianos de sua geração, Ettore Scola morreu na terça-feira, vítima de complicações cardíacas. Diretor de obras-primas como Nós que Nos Amávamos Tanto (1974) e Um Dia Muito Especial (1977), Scola tinha 84 anos e era uma referência sobretudo da produção da década de 1970, com seus longas que eram um misto de comédia de costumes com drama social de forte carga política.
Mas, ressalte-se, Scola já havia realizado filmes importantes nos anos 1960 e continuou com uma produção referencial nos 1980, quando assinou O Baile (1983) e A Família (1987), entre outros. Quase todos os seus títulos mais importantes estão disponíveis em DVD, mas seguem ausentes dos principais serviços de streaming, como a Netflix, com seus catálogos que pouco exploram a riqueza do cinema europeu de décadas passadas.
Em Porto Alegre, o cineasta protagonizou um episódio que figura na memória cinéfila da cidade. Foi em julho de 1996, quando visitou o Rio Grande do Sul para participar do seminário Cinema do Fim ao Começo, evento realizado na Assembleia Legislativa por Sesc, Casa de Cinema e prefeitura da Capital – que também trouxe o documentarista Eduardo Coutinho e o pesquisador Jean-Claude Bernardet.
“O Giba (Assis Brasil, um dos sócios da Casa de Cinema) escreveu uma carta a ele contando a importância de seus filmes para nós e, também, que vários deles fizeram mais público em Porto Alegre do que nas outras cidades brasileiras”, escreveu no Facebook a diretora Ana Luiza Azevedo, também sócia da Casa, em um post intitulado Nossos Dias com Scola. “Ele respondeu que não podia negar o convite depois de uma carta tão febril.”
A chegada de Scola à Capital foi cercada de alguma tensão, dado que, poucos dias antes de embarcar, sua mulher, a roteirista Gigliola Scola, avisou que o cineasta havia tido um deslocamento de retina e talvez não pudesse viajar.
“Deixamos alguns oftalmos de plantão”, descreve Ana Azevedo. “Assim que chegou, ele perguntou: ‘Quem é a Ana?’. Eu me apresentei. ‘Só estou aqui porque minha mulher disse que ficaste desesperada com a possibilidade de eu não vir.’ Era verdade.”
Além de Giba Assis Brasil, o debate com Scola foi mediado por Amir Labaki, crítico e criador do festival É Tudo Verdade.
“A morte de Ettore Scola despede-nos definitivamente da era de ouro do cinema italiano”, escreveu Labaki na mesma rede social. “Devo a Ana Luiza Azevedo e Giba Assis Brasil a honra e o prazer inesquecíveis de ter dividido uma mesa com ele”.
Após o seminário, autoridades o esperavam para um almoço. Mas Scola avisou que queria dedicar-se a assistir aos filmes de quem o havia trazido a Porto Alegre, “que era para isso que tinha vindo”, conforme Ana Azevedo. “Ele ficou horas com um pequeno aquecedor nos pés (era um dia frio e, naquela época, não tínhamos ar-condicionado), assistindo a todos os nossos curtas.”
De fato, Porto Alegre parece guardar relação especial com o diretor de Casanova e a Revolução (1982) e A Viagem do Capitão Tornado (1990), que se despediu do cinema com um documentário em homenagem ao seu conterrâneo Fellini, em 2013 (Que Estranho Chamar-se Federico). Scola foi homenageado mais de uma vez com mostras de seus filmes em locais como a Cinemateca Paulo Amorim, nos anos 1990 e 2000.
Em 2001, a Secretaria Municipal da Cultura da Capital editou um livro da sua coleção Escritos de Cinema com a transcrição das palestras do seminário Cinema do Fim ao Começo. Quem quiser matar a saudade ou ter um primeiro contato com esse evento histórico para a cinefilia da cidade já sabe em qual prateleira das bibliotecas deve procurar.