O novo branco fresco, ácido e mineral de uma vinícola de qualidade de Israel envelheceu oito meses – ou, dependendo de como você prefira olhar para o fato, pelo menos 1.800 anos. O vinho, chamado marawi e lançado em outubro pela Recanati Winery, é o primeiro produzido comercialmente pela crescente e moderna indústria israelense com uvas locais.
Ele nasceu de um projeto inovador da Universidade Ariel na Cisjordânia ocupada que tem como foco usar testes de DNA para identificar – e recriar – vinhos antigos bebidos por gente como o rei Davi e Jesus Cristo. Inserir imagemInsert Embed Eliyashiv Drori, enólogo da Ariel que liderou a pesquisa, seguiu o marawi – também chamado de hamdani – e as uvas jandali até o ano 220 a.C., baseado em uma referência no Talmude da Babilônia. – As nossas escrituras estão cheias de vinhos e uvas – antes dos franceses começarem a pensar em fazer vinhos, estávamos exportando a bebida. Temos uma identidade muito antiga e, para mim, reconstruí-la é importante. É uma questão de orgulho nacional .
O redesenvolvimento de castas locais, no entanto – como tantas coisas nessa terra contestada – não está livre de fricção política. Ela vem junto com as novas diretrizes de rotulagem polêmicas lançadas pela União Europeia, que exigem que os vinhos da Cisjordânia e das Colinas de Golã tenham uma etiqueta dizendo que foram feitos em assentamentos israelenses. E os palestinos têm suas próprias reivindicações de propriedade sobre essas uvas. Para os produtores de vinho de Israel, a busca por castas novas e velhas é uma oportunidade de distinguir seus produtos em um mercado global competitivo em que eles têm poucas esperanças de ser melhores, por exemplo, do que um chardonnay francês.
Os arqueólogos e geneticistas estão testando novos métodos para analisar velhas sementes queimadas. Na luta sem fim entre israelenses e palestinos, é uma busca para reafirmar as raízes judaicas na terra santa. Mas a Recanati não é a primeira a vender vinho dessas uvas. A Cremisan, uma pequena vinícola perto de Belém, onde os palestinos são sócios de monges italianos, vem usando hamdani, jandali e outras frutas locais desde 2008. – Como sempre acontece com os israelenses, eles declaram que o falafel, o tahini, o tabule, o homus e agora as uvas jandali são produtos de Israel”, reclama Amer Kardosh, diretor de exportação da Cremisan, em um e-mail. “Gostaria de informá-lo que esses tipos de uva são totalmente palestinos e crescem em vinhedos palestinos. – Sim, mas as fazendas palestinas que venderam as uvas para a Recanati insistiram em continuar anônimas, por medo da reação de trabalhar com os israelenses, ou apenas de ajudar a fazer vinho, que geralmente é proibido no islamismo.
A Recanati, por seu lado, abraçou a herança, usando a língua árabe no rótulo do marawi e contratando um cantor árabe-israelense para cantar no lançamento, em outubro, para 50 sommeliers selecionados. O viticultor, Ido Lewinsohn, diz que seu produto é “limpo e puro de qualquer influência política”, e afirma que as uvas: – Não são israelenses; não são palestinas. Pertencem à região – e isso é algo bonito. Foram descobertos lagares em Israel – e na Cisjordânia – que datam de tempos bíblicos. Mas a produção do vinho se tornou ilegal depois que os muçulmanos conquistaram a terra santa no século VII. Quando o barão Edmond de Rothschild, sionista de primeira hora e descendente da famosa vinícola de Bordeaux, ajudou a recomeçar a produção local em 1880, trouxe os frutos da França.
Hoje, as 350 vinícolas de Israel produzem 65 milhões de garrafas por ano. Há tempos o viscoso e doce Manischewitz foi ofuscado por chardonnays, cabernets, merlots, syrahs, carignans e outros de alta qualidade. Mas não há muito para onde ir com as uvas importadas. – Ainda não conseguimos criar um DNA para os vinhos israelenses – lamenta Haim Gan, dono da Grape Man, uma empresa que defende a cultura vinícola de Israel. Drori, que é doutor em Agricultura, começou em 2005 uma vinícola boutique, a Gvaot, perto de sua casa na Cisjordânia. Ali, ele percebeu um vinhedo abandonado com uvas brancas pequenas e muito doces que pensou que poderiam resultar em vinhos saborosos. Com um orçamento de cerca de US$750 mil, a maior parte do Fundo Nacional Judeu – uma organização sionista de um século que ajuda a transformar o cenário da agricultura de Israel – Drori e uma dezena de colegas identificaram, desde 2011, 120 variedades únicas de uvas cujos perfis de DNA são distintos de todas as importadas. Cerca de 50 foram domesticadas, conta Drori, e 20 delas são “adequadas para a produção de vinho”. Separadamente, pesquisadores identificaram 70 variedades distintas usando DNA e um escaneamento tridimensional, que nunca havia sido utilizado antes dessa forma e com sucesso, de sementes queimadas e secas descobertas em escavações arqueológicas.
A ideia é comparar essas sementes antigas com as uvas vivas, ou algum dia talvez recriar a fruta como foi feito no filme “Jurassic Park”. Dadas as dificuldades de conseguir as uvas de fazendeiros palestinos, a Recanati produziu apenas 2.480 garrafas de marawi 2014, que estão disponíveis em cerca de 10 restaurantes de Tel Aviv. A vinícola tem perto de quatro mil garrafas de marawi 2015 envelhecendo e espera em breve plantar seu próprio vinhedo para expandir e refinar a marca. Itay Gleitman, que escreve sobre vinhos para a Haaretz, chamou o marawi de “o vinho israelense mais importante do ano”, por sua procedência, se não pelo gosto. Ele diz que é “agradável e fácil de beber” e que “abre um pouco no copo com aromas suaves de maçã e pêssego”. E, se a uva for cultivada especialmente para a vinicultura, tem potencial que “estimula a imaginação”.
O próximo é o dabouki, também branco, que o conhecido viticultor israelense Avi Feldstein planeja lançar junto com sua nova vinícola em alguns meses. Dabouki pode ser umas das castas locais mais antigas, um bom candidato para o vinho que encheu o copo de Jesus (que Drori acredita que bebia brancos e tintos). Feldstein diz que tem cerca de 800 garrafas de cada safra de dabouki 2014 e 2015, uma “com gosto de castanha” e a outra “um pouco tropical”. – Se você é um viticultor de verdade, quer expressar um lugar. Sem a região e a diversificação que ela traz, o vinho fica reduzido à uma Coca-Cola alcoólica – diz Feldstein.