Após criar alguma expectativa sobre sua produção – e a necessidade desta ser levada a cabo –, Olhos da Justiça chega aos cinemas nesta quinta-feira para ser inevitavelmente comparado com a matriz da qual é uma versão falada em inglês: o oscarizado filme argentino O Segredo dos Seus Olhos (2009). Quem conhece o original verá que o diretor e roteirista Billy Ray optou mais por uma releitura do que uma refilmagem ponto a ponto, uma vez que o longa de Juan José Campanella tem sua trama bem amarrada por um contexto histórico específico que interliga passado e presente: a ditadura militar na Argentina entre 1976 e 1983. Em Olhos da Justiça, essa conexão se dá de forma mais frouxa, sob a sombra dos ataques terroristas nos EUA no 11 de setembro de 2001.
Chiwetel Ejiofor vive Ray Kasten, ex-agente do FBI que segue investigando por conta própria o assassinato de uma adolescente ocorrido meses após os atentados. A vítima era filha de uma colega, Jess Cobb (Julia Roberts), com quem ele monitorava à época suspeitos na comunidade muçulmana em Los Angeles. Depois de 13 anos, Ray acredita ter encontrado o criminoso, que ficou impune por interferência política.
Ao levar as novas evidências à procuradora de justiça Claire Sloan (Nicole Kidman), o investigador reacende com ela o flerte romântico que arrastam desde que tentaram solucionar o caso. E desperta em Jess, ainda na ativa, uma dor não cicatrizada. Essa policial e mãe traumatizada emula um personagem que é secundário no enredo argentino e representa em Olhos da Justiça, a diferença mais efetiva entre as duas narrativas, por adicionar no remake uma nova força dramática.
"No Coração do Mar" conta história que inspirou clássico literário "Moby Dick"
Angelina Jolie dirige "À Beira-Mar", filme em que contracena com Brad Pitt
Marina Person volta ao universo juvenil dos anos 1980 com "Califórnia"
O fato de Jess ser uma agente do governo, aliás, lança um simbolismo interessante nos passos da personagem, mas estes são explorados de forma rasa pelo roteiro, que prefere, reiteradas vezes, mostrar como era afetuosa sua relação com a filha, ilustrar suplício da garota por seu carrasco e, num recurso bem caro ao cinema americano, colocar sobre os ombros da mãe um pouco de culpa pela tragédia.
Se em O Segredo dos Seus Olhos, Ricardo Darín tem protagonismo absoluto, Chiwetel compartilha a linha de frente do remake com duas estrelas de Hollywood. Isso colabora para a amortecer a força dos personagens quando eles passam a encarar o embate entre a razão e a emoção e os conflitos morais que se aprofundam no andar da trama original.
Novo filme de Murilo Salles mostra bastidores da corrupção em Brasília
Ator francês Louis Garrel estreia na direção com "Dois Amigos"
"Chatô" é um filme anacrônico e moderno
A comparação com o filme argentino faz mal a Olhos da Justiça, sobretudo porque todas as engrenagens que no primeiro funcionam organicamente, passeando por diferentes gêneros – policial, melodrama romântico, suspense e thriller político –, agora trafegam aos solavancos. Em que pese o tom crítico ao vale-tudo que a guerra ao terror despertou nos EUA, o episódio não imprime na trama a relevância que os efeitos diretos e residuais da ditadura argentina têm em O Segredo dos Seus Olhos. Para quem não viu o longa que deu para a Argentina o segundo Oscar de filme estrangeiro, e não tem a curiosidade da comparação como atrativo, Olhos da Justiça pouco oferece como filme policial, melodrama romântico, suspense ou thriller político.