Macbeth é monumento intimidador. Até hoje muitos consideram amaldiçoada a obra por conta da temática malsã, recusando-se a chamá-la pelo nome e referindo-se ao texto de William Shakespeare (1564 - 1616) simplesmente como "aquela peça escocesa". Pois o diretor australiano Justin Kurzel encarou o desafio de outra vez adaptar para o cinema a célebre tragédia em Macbeth: Ambição & Guerra (2015), filme exibido no Festival de Cannes em maio. Quem encarna agora o nobre consumido pela ânsia de poder é o ótimo ator alemão-irlandês Michael Fassbender - indicado ao Oscar por
12 Anos de Escravidão (2013).
A história de Macbeth se passa na Escócia medieval, começando com o desfecho de uma renhida luta contra os exércitos da Noruega e da Irlanda. A despeito da inferioridade bélica, o general Macbeth (Fassbender) e seu lugar-tenente Banquo (Paddy Considine) conseguem bravamente expulsar os invasores - e, depois da derradeira e sangrenta batalha, ambos são confrontados pelas surpreendentes predições de três bruxas: o primeiro será coroado rei muito em breve, o segundo ficará conhecido como pai de uma linhagem de monarcas. A princípio, Macbeth dá pouca atenção ao vaticínio - mas, após dividir com a mulher o estranho encontro, a cobiça pelo trono vai aos poucos consumindo a imaginação do guerreiro: insuflado por Lady Macbeth (Marion Cotillard), o até então fiel súdito mata à traição o benigno rei Duncan (David Thewlis), sucedendo em seguida seu ex-protetor no comando do país. A glória do usurpador, porém, dissipa-se logo: a desconfiança da corte e a paranoia persecutória arrastam o regicida e sua esposa para um vórtice de mortes e crimes inomináveis, cujo ato final será um confronto às portas do castelo de Inverness de Macbeth com as tropas inglesas, lideradas pelo filho de Duncan e pelo antigo aliado Macduff (Sean Harris).
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Rodado em belas locações na Escócia e na Inglaterra, Macbeth reproduz na tela o registro lúgubre da trama shakesperiana. Um dos trunfos da produção está no tom da narrativa: diferentemente de adaptações como as de Roman Polanski e, especialmente, Orson Welles, que sublinham a teatralidade da ambientação palaciana, o Macbeth que estreia na Capital privilegia os espaços abertos, utilizando a paisagem natural como comentário visual dos diferentes estados de ânimo das sequências, em cenas amplas que se alternam com planos fechados dos personagens - filmados em geral com a câmera no ombro, reforçando a instabilidade e a tensão do enredo.
A fotografia de Adam Arkapaw e a música composta por Jed Kurzel, que conferem um toque contemporâneo ao longa, contrastam de maneira interessante com o respeito ao material original: mesmo adaptando e resumindo o texto de Shakespeare, Macbeth mantém os diálogos escritos em versos pelo bardo inglês - o que talvez cause estranhamento para uma parte do público atual.
Além do desempenho homogeneamente notável do elenco principal - com destaque para Michael Fassbender e para a francesa Marion Cotillard, vencedora do Oscar por Piaf: um Hino ao Amor (2007) -, vale notar nesse Macbeth a ênfase em questões contemporâneas. A crueza e a futilidade da guerra são apresentadas de forma chocante, realçando a triste presença de jovens e crianças nos combates, enquanto a perfídia e a frieza de Lady Macbeth ficam matizadas pelos sentimentos de arrependimento e instintos maternos da infame protagonista - um aggiornamento com tempos menos tolerantes a posicionamentos misóginos.
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Por fim, merece nota a maneira inventiva como o realizador Justin Kurzel dá conta de apresentar a última parte da profecia das pitonisas, que garantem a Macbeth que ele "jamais será vencido até que a grande floresta de Birnam vá até as alturas do Monte Dunsinane" - imagem que sempre é um desafio para os encenadores de Shakespeare.
MACBETH: AMBIÇÃO & GUERRA
De Justin Kurzel.
Drama, EUA/Grã-Bretanha/França, 2015, 113min, 16 anos. Estreia nesta quinta-feira no circuito.
Cotação: 4